Doburoku e Nigori Sake

Doburoku Sake

Esta é mais um daquelas receitas das quais não espero que alguém faça. Apresento-a para ilustrar como são feitos alguns produtos que consumimos.

Quando se fala em sake, a maioria pensa em uma bebida translúcida. Nem sempre ela é assim. O doburoku sake, o nigori e o amazake são brancos, leitosos.  Falarei o amazake outro dia.

Meu pai contava que no começo do século passado era comum as famílias fazerem seu próprio sake. Minha avó enchia barris de koji e água e deixava que a mistura fermentasse. Bebiam esse sake que não era coado nem decantado, leitoso, durante o inverno rigoroso de Hokkaido. Era forte, bem mais forte que uma cerveja e não era raro as crianças se embebedarem. Mas isso era outra época e outros hábitos.  Esse é o doburoku.

Já na década de 70, minha mãe e algumas parentas faziam sake em casa. Era muito difícil encontrar uma série de produtos japoneses. Algumas coisas, importadas, eram caríssimas e reservadas para o Ano-Novo, apenas. O sake era algo que só fui comprar quando fui morar no Japão, na década de 90. O sake que era feito em casa servia unicamente para cozinhar. Era o doburoku sake coado. É uma bebida turva, leitosa, chamada de Nigori. Hoje ambos são comercializados no Japão, engarrafados. No entanto, foram raras as vezes que encontrei o Nigori. Creio que ele é disponível apenas em certa época do ano (outono e parte do inverno). Como não são pasteurizados, a vida é curta e o ideal é mantê-lo sob refrigeração.

Desta vez não segui a receita de meus parentes. Tirei proveito da tecnologia e usei koji-kin e levedura industrializada. Preferi não arriscar uma contaminação natural (que pode resultar em um verdadeiro desastre).

Fiz koji com 2 kg de arroz (pesado cru), da mesma maneira que fiz para o miso. Usei o koji-kin da Gem Cultures.

Depois do koji pronto, adicionei 5 kg de arroz (pesado cru), cozido no vapor, já frio. Adicionei 30 litros de água fervida e fria e 5 gramas de fermento Shirakami Kodama. Vi no canal de tv japonês NHK que esse fermento está sendo usado com sucesso para a produção de sake. Só não guardei o nome da cidade.

No mais, foram dias de espera, misturando duas vezes por dia para liberar o gás que era formado e fui observando. O aroma de álcool e fermento foram se desenvolvendo. Quanto mais frio estiver, mais lenta será a fermentação  e o resultado será melhor.

Pode ser consumido assim mesmo, imediatamente. Foi a primeira vez que bebi um sake “frizante” e denso. Mas preferi não ficar com o doburoku sake. Coei para obter um nigori.  Como não tenho como mante-lo sob refrigeração, precisei aquecer acima de 60 graus para cessar a fermentação.

Na foto não fica muito distinto. O copo do fundo é de nigori, ligeiramente translúcido. O da frente é de doburoku.

PS: Se são bebíveis ? Sim, é. Muito mais fortes que uma cerveja e alguns vinhos. Claro que não são delicados como muitos sakes que bebi. No caso, ficaram bem “karakuchi” (rascante?)

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29 Responses to Doburoku e Nigori Sake

  1. LuMa diz:

    Uau, Marisa, finalmente encontro uma simpatizante de doburoku e nigori que possa dividir esse prazer! Fiquei muito surpresa que ambos são hoje comercializados no Japão. A primeira vez que tomei o doburoku – e que me levou direto ao paraíso, rs – , foi em meados dos anos 80, em Akita, região norte que produz excelentes sakês no país. Gostei tanto que, durante a permanência, procurei o doburoku nas lojas, mas todos me diziam que este produto não era comercializado por alguma razão legal, de que não lembro. Eu só conseguí uma garrafa graças a um bom amigo, após muita choradeira, com a recomendação de que não o trouxesse na mala, pois haveria o risco de a fermentação fazer explodir a garrafa durante o vôo, pela contínua fermentação. Resultado, tomei a garrafa inteira alí mesmo! A propósito, seus parentes o preparam ainda? Isso me atiça a conhecer seus parentes, rs! Abraços.

    • Marisa Ono diz:

      Pelo que vi em um anúncio de produtores de sake, o doburoku vai ser comercializado este mês, no Japão. A única vez que vi nigori para comprar foi em dezembro e havia um aviso bem claro para que fosse consumido em poucas semanas. Creio que passou a ser comercializado porque hoje há meios de transportar e manter ambos com segurança e qualidade.
      Que eu saiba, só uma tia (irmã de minha mãe) anda fazendo sake em casa ainda.

  2. Nunca bebi sake doburoku ou nigori. Devem ser ótimos.
    Ainda mais feitos em casa.
    De vez em quando um sake é muito bom.
    Sakê sem ser o engarrafado só bebi em algumas ocasiões.
    Feita ou por amigos ou em templos. O que mais gostei foi do Atsuta Jinja.
    (até tinha feito um post sobre isso http://mauj77.blogspot.com/2009/09/sake-saque.html )

    Parece ser muito bom. Kanpai!

    • Marisa Ono diz:

      Pelo que sei, Alexandre, há uma lei proibindo a produção doméstica de sake no Japão. O que, sob o aspecto cultural, é uma pena. É raro comercializarem o doburoku ou o nigori e essas bebidas, que eram típicas do inverno japonês, tornaram-se desconhecidas para boa parte da população japonesa. Li em algum lugar que alguns templos fazem sake, em caráter cerimonial.
      Por outro lado, fazer sake em casa é um risco. Sei de casos em que a bebida foi contaminada, resultando em algo ácido e com cheiro horrível. Aliás, esse tipo de problema pode acontecer sempre que trabalhamos com leveduras e bactérias.
      O doburoku e o nigori possuem um teor alcóolico mais elevado que o do sake já filtrado. O aroma também é mais “duro”. A delicadeza só vem depois da decantação, filtragem e período de envelhecimento. Para essas etapas, não tenho nem tecnologia, nem conhecimento…

  3. Uma pena… realmente há a proibição e o pessoal faz de “teimoso” mesmo, utilizando equipamento para a produção de umeshu.
    Parece que estão estudando a volta da permissão do sakê caseiro desde que a pessoa preencha uma requisição junto a algum órgão de vigilância sanitária e prove conhecer o processo de fabricação. Pelo menos foi o que me disseram os japoneses.

    A volta do sakê caseiro talvez contribuiria para diminuir o declínio do consumo da bebida. http://www.mnpropolis.com.br/br/noticia_view.asp?s=3&ss=4&id=1&lang=ptbr
    Mais uma tradição que o Japão vai deixando pouco a pouco de lado…

  4. Não pude ir por causa do trabalho…mas essa semana aqui perto de casa (em Okazaki, Aichi) e em Gifu (Shirakawa, aonde tem aquela vila em estilo antigo, com telhados de palha em forma de “mãos em oração”) houve festivais de Doburoku em Jinjas http://mainichi.jp/chubu/archive/news/2009/10/15/20091015ddq041040008000c.html
    Interessante. Desculpe os comentários em flood

  5. Taro diz:

    shirakami kodama é vendido em sp???

  6. Taro diz:

    e como foi q a senhora fez, pediu pra alguem trazer de fora?

  7. Taro diz:

    qria saber maiores detalhes sobre a feitura de sake…
    daria pra fazer com algum outro tipo de fermento que exista qui no brasil?

  8. Antônio diz:

    Olá Marisa,

    Faz um tempo que eu tento conseguir uma amostra de koji, mas não sei onde. A Gem Cultures não exporta mais o aspergylus orizae para o Brasil, infelizmente. Será que é possivel eu consguir desenvolver uma cultura a partir da mistura de arroz cozido no vapor e um pouco de missô?

    • Marisa Ono diz:

      Não, Antônio. O misso é composto de outros organismos além do aspergylus. Antes costumavam simplesmente esperar que o arroz cozido se contaminasse naturalmente. Creio que a palha de arroz ou milho que usavam para cobrir e servir de isolante ajudava na contaminação. Mas sempre é uma coisa meio arriscada, já ouvi relatos de que o koji ficou ácido, quando deveria ser adocicado.

  9. Antônio diz:

    Que pena, seria muito mais simples. Eu ví, não lembro onde, que o natô era feito enrolando soja cozida em palha de arroz e isso era responsável pela fermentação. Existe um produto residual da fabricação do sakê, o sakê-co, que é a barra do moromi, que acho pode ser usado com mais segurança para conseguir uma cultura de aspergylus. Eu morei muito tempo em Londrina onde só comprava missô caseiro, que é muito superior ao missô industrializado. Agora estou morando em Campinas e é muito difícil achar um bom missô. Vou continuar tentando achar um “pé-de-cuba”, quem sabe eu consigo logo.
    Só mais uma pergunta, o koji fica amarelo com esporos pretos?

    • Marisa Ono diz:

      O moromi também não é só aspergillus. Há um fermento responsável pela transformação do açúcar em álcool nele. Talvez possa ser utilizado na produção de sake, mas ainda falta o aspergillus para transformar o amido do arroz em açúcar. O koji fica com uma cor creme. Depois de seco e triturado – que é a maneira com guardo como koji-ko, ou seja, semente de koji – ele fica verde pálido. Pontos pretos pode não ser um bom indicativo, já que o aspergillus niger também é muito comum na maioria dos ambientes e dizem que produzem toxinas.

  10. Antônio diz:

    Olá Marisa,
    Acho que eu consegui isolar o aspergylus. Em um pouco de arrroz cozido e autoclavado eu espalhei um pouco da parte fermentada branca de um piuco de arroz que deixei azedar. O que consegui foi o crescimento de uma massa branca que produziu micélio verde, com um cheiro de bolor e um sabor adocido. Mandaria uma foto, mas minha máquina não está funcionando. Você acha que deu certo pela descrição?

    • Marisa Ono diz:

      Provou o arroz? Ele vai estar adocicado. Caso fique ácido ou com gosto estranho, descarte. Se aparecerem pontos pretos ou escuros, também descarte. O cheiro é agradável.

  11. Antônio diz:

    Provei sim, não é ácido. O cheiro lembra o de bolor de pão só que mais agradável. alguns grãos ficaram amarelos. Hoje separei uma parte mais “bonita” e repeti o processo com arroz autoclavado. Quando pulverizei a parte selecionada, obtive um pó verde claro. Grãos amarelos são normais? Eu consegui isolar outro fungo do arroz, o monascus purpúreus, usado para fazer um tipo de saquê vermelho consumido na china, para isso eu usei o método de cultura no agar-agar, vou tentar isso com o aspergillus também.

  12. antônio diz:

    Olá Marisa,

    A GEM Cultures voltou a exportar para o Brasil leveduras desidratadas, como o aspergyllus e a usada para fazer tempeh. Já fiz meu koji para fazer missô, mas, gostaria de guardar uma parte como “semente”, então, se você pudesse, gostaria de saber como você faz para desidratá-lo.

    • Marisa Ono diz:

      Olá, Antônio. Um pouco de paciência. Estou pretendendo fazer koji daqui uns dias, pretendo fotografar, filmar e detalhar mais o processo e opções. Inclusive guardar amostras para as próximas vezes.

  13. antônio diz:

    Eu consegui fazer meu koji-kin. Deu tudo certo. Fiz também meu primeiro saquê, que ainda está fermentando. Como não usei todo o kiji, eu o guardei na geladeira. Mas eu não sei como se comporta o aspergylus orizae, se ele muda de cor depois de formar a camada branca como acontece com o niger. Como o pó que recebi é esverdeado, achei que, talvez, meu koji ficaria também verde.
    Erro de principiante: deixei meu moromi meio tampado, só o suficiente para que os gases da fermentação saíssem, mas a fermentação foi tão vigorosa e a produção de espuma foi tão intensa que a abertura não foi suficiente e a tampa estourou, o que esparramou arroz por toda minha cozinha, inclusive, uma quantia considerável no teto. Ainda bem que só se perdeu, mais ou menos, uma xícara de fermentado. Ainda bem que foi de madrugada!

    • Marisa Ono diz:

      Oi, Antonio. O koji, depois de pronto, pode ser seco sobre um papel ou peneira e triturado. Guardado em um pote, na geladeira, fica mais fácil de ser conservado e pode durar mais de ano.

  14. Ligia Sakata diz:

    Prezada Marisa,

    Boa Tarde,

    Por favor, me informe onde adquirir o koji no kin, para fins de preparar misso.
    Grata,

    São Paulo, 04/05/2012 – Ligia

  15. André Clayton diz:

    Adorei o texto. Eu já sabia do sake doburoku, e estava louco para experimentar, mas não encontrava em minha cidade. Uma amiga contudo me presenteou com uma garrafa de sake e nem acreditei quando ela falou que era doburoku, nem preciso dizer que adorei a surpresa, ne. Ela achou em São Paulo, onde há uma comunidade de ascendência nipônica bem grande, mas mesmo assim é um sake importado.

    • Marisa Ono diz:

      Pois é, André. Do tempo que escrevi esse texto até agora, muita coisa mudou. As importadoras estão trazendo muito mais sakes, de produtores e regiões diferentes. Mesmo com as novas exigências de importação, há muito mais coisa para comprar.

  16. Marcelo diz:

    Parabéns Marisa pela dedicação e empenho ao demonstrar a cultura e culinária japonesa.
    Gostaria de saber se você pode indicar algum mercado no Bairro da liberdade onde eu possa encontra Nigori ou Doburoku?

    Obrigado pela atenção dispensada,

    Marcelo.

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