Bolo Certo, Bolo Errado

Como disse, os dias do Paladar – Cozinha do Brasil ainda vão render. Antes de explicar porquê, quero falar sobre a memória gustativa. Não é curioso o fato que a gente pode registrar sons, cores, imagens e até idéias, mas não consegue registrar aromas e sabores? No máximo, posso descrever, mas ninguém terá a mesma experiência que eu tive. Cada um tem suas lembranças saborosas. Hoje vou falar de uma lembrança da minha infância.

Minha madrinha não cozinhava muito, embora eu creia que ela cozinhasse bem. Lembro do arroz de bacalhau, do pudim de pão, da canja. Quando ela queria fazer bolo, como muita gente, ia ao mercado e comprava manteiga a granel. Hoje em dia ainda é possível comprar manteiga assim em alguns supermercados e mercados municipais. O detalhe é que naquela época, muita coisa não ficavam bem armazenadas, bem refrigeradas. A manteiga podia ter um cheiro forte, um certo ranço. Pois bem, era esse ranço que ela procurava e queria. O bolo que ela fazia tinha um cheiro peculiar, tanto de manteiga mas também de algo a mais.

Voltando para 2012, Alex Atala fala de peixe, de umami e conta uma história sobre uma briga com a esposa. Segundo ele, um dia, ela aparece com um pote de ghee. Ele logo dispara: “O que essa merda está fazendo aqui em casa?”. Discutem sobre o que é merda e o que não é e, para finalizar, ele pergunta: “O que você acha de manteiga de garrafa?” Ela responde: “Ah, é uma merda”. “Pois então” – diz ele – “é a mesma coisa!” Depois ele fala do aroma e da dimensão que a manteiga de garrafa dá aos pratos, “enchendo a boca”.

Até então eu não tinha comprado manteiga de garrafa porque… Bem, chamo de síndrome do elefante branco. Tenho receio de comprar algo, não usar ou não saber usar e acabar jogando fora. E apesar de eu resistir muito, tenho um armário cheio de experiências a serem feitas. O fato é que comprei a manteiga de garrafa, segui o conselho do Wanderson Medeiros: tirei da garrafa, coloquei num pote e guardei na geladeira, porque esse negócio de ficar reaquecendo no microondas várias vezes não é a melhor opção. E o fato é que manteiga de garrafa tem um cheiro característico, que pode não agradar a todo mundo, mas que me lembra aquela manteiga que minha madrinha comprava para o bolo dela.

Não sei se é certo ou errado usar manteiga de garrafa em uma receita de bolo. Outra coisa que fiz de “errado” foi usar açúcar cristal. Esse tipo de açúcar não dissolve direito, mesmo batendo bem com manteiga e ovos. Por outro lado, há um efeito interessante: os grãos maiores de açúcar vão parar no fundo da assadeira e acabam formando uma crosta crocante. Só é preciso tomar um pouco de cuidado para que o bolo não queime.

100 gramas de manteiga de garrafa, em temperatura ambiente

50 gramas de manteiga, em temperatura ambiente

1 1/2 xícara de açúcar cristal

3 ovos

1 3/4 xícara de farinha de trigo

1/4 xícara de fécula de batata

1 colher de sopa bem rasa de fermento em pó

3/4 xícara de leite

Bata a manteiga, manteiga de garrafa e o açúcar. Vá adicionando os ovos, um a um, batendo bem a cada adição.

Peneire a farinha, a fécula e o fermento juntos e adicione à mistura de ovos. Junte o leite e bata em velocidade baixa até misturar tudo.

Despeje em forma untada e enfarinhada e asse em forno pré-aquecido até dourar.

O resultado é um bolo com uma textura de “pound cake” (bolo inglês), com aroma que lembra um pouco algum queijo curado e com uma casquinha crocante. Aliás, alguns grãos de açúcar ficam até visíveis.  O bolo ficou muito amarelo, em parte pela manteiga de garrafa, mas também por conta de ovos caipiras.

 

 

 

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9 Responses to Bolo Certo, Bolo Errado

  1. Myrna diz:

    pensei que só eu me lembrasse de manteiga de garrafa ao ver um pote de ghee 🙂

    • Marisa Ono diz:

      Myrna, o que achei graça mesmo foi o fato do Nelusko Linguanotto Junior, da Bombay, grande fã de especiarias e aromas indianos ouvir o Atala chamar ghee de “merda”. Ele teve um choque.

  2. ana claudia diz:

    Marisa,
    Eu sou assim, compro e não sei às vezes como usar e acabo jogando fora…
    Estou com uma manteiga de garrafa que minha mãe troxe de Fortaleza…então é para guardar na geladeira em outro pote? este pote é de vidro também? e ao se usar vai aquecendo? gostaria de saber, se você souber, a melhor forma de usufruir dessa iguaria…
    E o bolo ficou com cara ótima…bjos

    • Marisa Ono diz:

      Ana Claudia, a sugestão foi tirar da garrafa, colocar em outro pote e ir retirando só o necessário para cada vez. Aquecer e resfriar várias vezes parece não ser boa política. Eu estou usando um pote de plástico, mesmo, re-utilizando um pote de nata.

  3. Akemi diz:

    Marisa, sabe que na feira de domingo perto de casa tem uma banquinha que vende pedaços de bolo de manteiga de garrafa? Desde que vi fico sempre tentada a comprar para conferir o sabor. Experimentei manteiga de garrafa em Natal num croquete de aipim com carne seca que é modelada como hamburguer e apenas grelhada nessa manteiga, uma iguaria deliciosa que nunca mais esqueci.
    Eu não sei porque mas acho que essa manteiga de garrafa tem o gosto parecido com a manteiga aviação! Tô errada? rss
    Bjss e bom domingo

    • Marisa Ono diz:

      Também acho, mas o sabor da manteiga de garrafa é mais intenso. Acho que tem a ver com o processo de fabricação, geralmente adicionam alguma cultura láctea ao creme, para conferir um aroma mais de queijo. Já no Japão as manteigas eram claras, suaves, não? Eu acabei virando fã da manteiga de garrafa, embora não seja muito comum nos mercados, preciso ver em lojinhas de produtos nordestinos. No Mercado Municipal da Lapa tem muito.

  4. Diulza Angelica dos Santos diz:

    Marisa quando criança lá em Pirenópolis-GO,fazia a manteiga na garrafa, mais era diferente desta vendida na casa do norte. porque não era guardada na garrafa.falando de comprar e não usar surtei com o Kansui fui fazer o lamen da sua receita e ele estava vencido e tive que jogar fora.

  5. christopher diz:

    Pode ser parecida com a manteiga aviação mas tem que ser a da LATINHA porque as refrigeradas, vendidas em tabletes, são manteiga de 1a linha.

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