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Pressa, Preguiça, Falta de Bom-Senso e Desinformação

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A internet transformou a informação em algo instantâneo. Uma notícia é compartilhada praticamente à velocidade da luz. Há um lado bom, claro. Mas há um lado muito danoso. E nem é culpa da internet, é do usuário e, eventualmente, de quem gera a informação.

Tenho recebido via e-mail e pelo Facebook notícias falsas. Não é de hoje que isso acontece, é verdade, apenas o volume aumentou muito nos últimos meses. Em alguns casos, são coisas que saem de um site de humor, por exemplo e que acabam perdendo o contexto. Alguém lá atrás não entendeu a piada e repassa como sendo uma notícia “de verdade”.

Em outras, são notícias falsas criadas sei lá com que intenções. Nessa categoria entram as notícias de crianças desaparecidas que nunca desapareceram, do baton que contém chumbo mas que exibe uma foto de uma paciente com herpes. E até a velha falsa denúncia de que Fanta Uva provocaria câncer voltou a circular, uma coisa tão velha!  A notícia falsa morreria em pouco tempo se as pessoas parassem para conferir as fontes. Mas não, citam uma médica ou um pesquisador que nem da área em questão é, mas como tem um nome, acham que é verdadeira.

E não é raro eu ver notícias geradas por jornais ou programas de tv que, na verdade, carecem de uma pesquisa e de uma boa dose de bom-senso. Principalmente no caso do jornalismo científico. Parece que não existem muitos jornalistas que possuem um mínimo de afinidade com Ciências em geral. Mesmo assim, a regra existe e é clara: confirme as fontes.

Nesta semana uma notícia publicada em um portal pipocou no Facebook. O título era: “Salmão de cativeiro não contém ômega 3, dizem especialistas”. Em instantes surgiram centenas de pessoas dizendo “Ah, eu bem que desconfiava” e “Eu estou falando disso há anos”. Indignação geral. Fui ler o texto e deparei com um bom punhado de erros, tanto por parte da repórter quando da entrevistada.

O principal ponto que difere o salmão natural do criado em cativeiro é a presença de ômega 3. “O salmão selvagem é essencialmente carnívoro e se alimenta, entre outras coisas, de algas oceânicas e fitoplâncton, fontes de ômega 3. Em contrapartida, o mesmo pescado produzido em cativeiro é alimentado com ração, que não possui esse ácido graxo”, diz Vivian Suen, médica nutróloga e diretora da Abran.”

O salmão converte e armazena o ômega 3 que ingere, contudo não tem capacidade de sintetizá-lo. “Por isso, apenas o salmão pescado em seu ambiente natural possui ômega 3”, ressalta Suen.

Primeiro que se é um carnívoro, não vai se alimentar de algas. Um salmão se alimenta de outros animais, que se alimentam de algas, fitoplâncton ou de outros animais ainda menores.

Depois, ser alimentado com ração não significa que não contenha ômega 3 ou qualquer outro item. Rações partem de fórmulas, nas quais podem ser incluídos diversos nutrientes. E, no caso do salmão, é feita com peixe, fonte de ômega 3, entre outras coisas.

Por fim, basta pesquisar na internet e ler inglês. Existem várias pesquisas afirmando que o salmão de cativeiro contém, sim, ômega 3. Em alguns casos, até mais que o selvagem.

http://www.ars.usda.gov/is/ar/archive/may13/salmon0513.htm [3]

A combinação fato+hipótese=declaração bombástica pode funcionar em revista de fofoca. Em se tratando de Ciência, não é aceitável. Fiquei surpresa em constatar que a diretora da Abran não se deu ao trabalho de fazer uma pesquisa básica, consultar uma fonte confiável como uma publicação científica, uma Universidade ou instituição.

Outro erro que percebi se refere aos corantes presentes na ração que alimenta o salmão de cativeiro:

Em 2004, a revista Science publicou uma pesquisa coordenada pela State University de Nova York, em Albany (EUA), que afirmava que o salmão de cativeiro era um inimigo da saúde porque esses pigmentos eram substâncias cancerígenas. Segundo o relatório produzido por cientistas norte-americanos e canadenses, duas toneladas métricas de carne de salmão em estado selvagem e criado em cativeiro foram analisadas para chegar a essa conclusão.
Não cita o autor ou autores da pesquisa, mas na página da Universidade de Albany, comenta sobre os poluentes potencialmente cancerígenos encontrados em amostras de salmão. São quatro contaminantes, dois deles são resíduos industriais e dois são agrotóxicos. Nada de corantes.

http://www.albany.edu/ihe/salmonstudy/pressrelease.html [3]

No entanto, no próprio texto, mais abaixo, admite que a pesquisa não toca no quesito corante. Ou seja, afirmam e desmentem logo em seguida.

Acho curioso o pessoal se preocupar tanto com a astaxantina no salmão mas consome como um suplemento, já que é um antioxidante. Não, apesar de muita gente consumir cápsulas dele, não há ainda dados suficientes para dizer que cura isso ou aquilo.

O fato é que consumir peixe demais – como tudo, aliás – pode fazer mal à saúde. Peixes também podem estar contaminados com dejetos industriais, agrotóxicos, metais pesados oriundos de mineradoras. Depende muito de onde são pescados, do que se alimentam. Tenham eles ômega 3 ou não. Além do mais, a pesca comercial está esgotando os recursos do planeta. Na intenção de obter espécies mais lucrativas, acabam retirando do mar quilos e quilos extras de peixes sem interesse que acabam sendo descartados. Uma pequena porção vai virar ração. Também é preciso lembrar que não somos os únicos animais que se alimentam de peixe no planeta. Além dos Posso até não gostar de peixe cultivado, mas o fato é que em um futuro nada distante será o que teremos para comer. Se continuarmos com esse consumo, não teremos outra opção.

http://www.medicalnewstoday.com/releases/35370.php [4]

Dias depois essa matéria foi alterada, trocaram o título, retiraram a afirmação bombástica [5] e escreveram outro texto como errata [6], desta vez afirmando o contrário, o salmão de cativeiro contém ômega 3, o corante não faz mal algum, o salmão selvagem é caro, raro e ecologicamente incorreto. As diferenças entre um e outro se resumiram no preço. Caso curioso em que a errata é bem maior que o texto original.

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Nessa onda, veio até a mim uma nota afirmando que já estariam comercializando salmão criado sem corante, uma nova tendência nos EUA, [8] um salmão “albino”. Mas na foto, o que é apontado como salmão albino é, na verdade, “Chilean Seabass”, ou seja, robalo chileno… Agradecimentos ao Antonio Candia que encontrou a foto em tamanho maior.

E agora, onde estão todos aqueles que saíram por aí repetindo essas notícias? Onde estão todos que disseram “Eu não te disse?” Estão por aí e continuam repassando falsas notícias. Infelizmente, falta bom-senso. Não dói duvidar. Dá um pouco de trabalho pesquisar mas é sempre melhor do que espalhar mentiras.

Existem alguns sites que recolhem e analisam farsas e falsas notícias que rodam pela internet, vale a pena conferir:

http://www.e-farsas.com/ [9]

http://www.quatrocantos.com/lendas/index.htm [10]

PS: Fiquem atentos a blogs, também. Sei que estou dando um tiro no meu próprio pé, falando mal do mesmo veículo que uso. No entanto, tem muita gente escrevendo sobre tudo sem, no entanto, ter nenhuma experiência sobre determinados assuntos e sem a preocupação ética que a imprensa (ou pelo menos parte dela) tem. Vejo muitos absurdos, sobretudo ligado à saúde e alimentação.

 

 

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