Palestra sobre Washoku da MAFF

IMG_4849 Os últimos dias foram bem intensos. Muita coisa aconteceu e espero atualiza-los sobre tudo isso. No sábado fui ao Tivoli Hotel na Alameda Santos para um grande evento. Junto com o primeiro-ministro japonês Shinzo Abe, vieram membros da MAFF (Ministry of Agriculture, Forestry and Fisheries) para divulgar a cozinha japonesa que foi considerada Patrimônio Cultural Intangível. A primeira parte consistiu em palestras dos chefs Masayoshi Kazato, Shinya Koike e Alex Atala, além do professor Eiji Tomimatsu. IMG_4862Chef Kazato, que é diretor executivo do All Japan Sushi Association apresentou aspectos da segurança alimentar e higiene no preparo de pratos crus. Voltarei a falar sobre isso com mais detalhes em outro post, com mais calma. Outro assunto sobre o qual ele tocou foi sobre a importância de uma faca bem afiada no preparo de sushis e sashimis. Na foto acima, uma imagem feita através de um microscópio. Uma boa faca, bem afiada, é capaz de cortes tão limpos quanto um bisturi. IMG_4865 O Chef Shinya Koike (Aizomê, Sakagura A1) falou sobre o umami. Muita gente pensa que umami é só glutamato, desconhecendo que um prato pode ser rico em umami sem utilizar um grão dele. A cozinha japonesa explora muito o umami, utilizando dashi (caldo que pode ser à base de algas, peixe seco) em quase tudo.

IMG_4871 Alex Atala falou sobre a primeira vez que foi ao Japão. Surpreendeu-se com o que chamou de “complexa simplicidade” do washoku, de como os ingredientes são tratados de maneira distinta para que o sabor de cada um seja valorizado, de como ficou encantado com o dashi e de como as técnicas são tão diferentes da cozida ocidental. IMG_4873 O professor Eiji lembrou que o Brasil também reivindica o título de Patrimônio Cultural Intangível para o ofício das paneleiras de barro de Goiabeiras, por exemplo.

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Shin Imura falou sobre os doces tradicionais japoneses. Eles não costumam ser consumidos no final das refeições e sim nos intervalos. O cansaço é uma boa desculpa para comer um docinho, já que no Japão o açúcar é tido como um revigorante. Apesar da maioria ser muito doce, a grande  maioria não leve nenhum tipo de gordura. Muitos são feitos com arroz, feijão azuki e gelatina de alga. Ou seja, mesmo alguém com restrições alimentares como os celíacos podem aproveitar de um wagashi. Outro aspecto é o visual. Os doces, assim como toda a cozinha japonesa, segue as estações. Vemos flores e brotos na primavera, nozes e castanhas no outono,  além de doces específicos em datas comemorativas.

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Na segunda parte os chefs demonstraram técnicas e pratos. O senhor Masayoshi Kazato preparou o arroz, demonstrou como amola suas facas e a técnica de modelar os nigirizushis. Retorno a esse assunto em outro post, já que houve outro evento onde tudo isso ficou melhor demonstrado.

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Shinya Koike preparou o dashi com alga kombu e bonito seco. Explicou que como nem sempre temos katsuobushi de boa qualidade, nesse caso é preciso ferver o caldo depois de pronto por 5 a 10 minutos, em fogo bem baixo, para eliminar o cheiro forte. Bardana (gobo) ele cozinha em água com arroz, para que fique com sabor mais suave e com uma cor mais clara. Em muitos cozidos, os ingredientes são cozidos primeiro em água e depois vão para dentro do dashi, para que o caldo não fique turvo. Preparou também uma cavala que foi maçaricada antes de ser cozida.

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Alex Atala explicou a influência do Japão em alguns de seus pratos. No caso de um demi-glace vegetariano, por exemplo, lembrou que o shoyu é rico em sabor e leva trigo tostado, soja e sal. Faz um molho rico com vegetais tostados e cozidos lentamente. Na sobremesa que leva banana, gelatina e extrato de priprioca, disse que não teria chegado à textura certa dos discos de gelatina sem a ajuda da chef pâtissière  Saiko Izawa. Mas, para mim, a surpresa é que em um dos pratos ele acrescentou alho negro e contou a história de como tivemos nosso primeiro contato: eu enviei uma amostra de alho negro em uma caixinha, com uma carta, pedindo que provasse e, se possível, desse uma opinião. Para minha surpresa, ele pegou no telefone e falou comigo. No auditório, com mais de 100 pessoas ilustres da gastronomia, entre chefs, restauranteurs, críticos e jornalistas, fui pega de surpresa e, certamente, me encolhi na cadeira. Sim, sou jeca e tenho pavor de chamar a atenção em público. Prefiro que algum ingrediente meu brilhe, que meu texto faça as pessoas pensarem ou, pelo menos, se divertirem mas eu mesma gostaria de ser invisível.

Abe Maff

A terceira parte foi a mais tensa. Foi uma degustação com a presença do Primeiro-Ministro japonês Shinzo Abe. Claro que havia toda a tensão da segurança e organização. O curioso é que fui sentar na mesa ao lado dele e até apareço em algumas fotos. Estou lá, no fundo, sem óculos, de azul-marinho.

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No discurso, ele lembrou que o Brasil e o Japão irão completar 120 anos de amizade. O Japão tem se empenhado em divulgar não só seus  produtos, mas sua cultura, como sua cozinha e artes. Mas o que achei feliz foi ele ter lembrado que “washoku” não envolve apenas comida, apresentação e ambiente. Também requer hospitalidade. Um restaurante japonês deve oferecer um atendimento cordial e atencioso.

Com certeza esse post é muito curto para contar tudo o que aconteceu nesse seminário. Recomendo que leiam o que for publicado na imprensa. Se puder, vou copiar uns links para algumas matérias.

Em dado momento percebi que se alguém tivesse dito que um dia eu iria estar em um evento que contava com a presença do Primeiro-Ministro japonês, cercada de pessoas notáveis da gastronomia e que ainda receberia um elogio de um dos maiores chefs do planeta, certamente eu riria dessa pessoa.

Foi um bom momento. Aprendi algumas coisas, vi que, finalmente, a cozinha tradicional japonesa está ganhando o merecido destaque e que nesses 7 anos de blog, não tenho escrito muita bobagem.

No próximo post irei escrever sobre técnicas no manuseio e preparo de peixes, sobre sushi e sobre higiene.

 

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1 Response to Palestra sobre Washoku da MAFF

  1. Gilda diz:

    Que post espetacular. Fico aqui fazendo comentários dispensáveis, mas é que sou uma admiradora tão grande da sua pessoa e do seu trabalho que chego a sentir orgulho quando vejo você brilhando. Parabéns e desculpe minha ousadia.

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