Já me perguntaram sobre o corte da língua de boi. No Japão costumava aparecer com frequência nos “yakiniku-yas”, casas de servem carnes grelhadas. Servem é um modo de dizer, na verdade a grelha já está na mesa ou vem um vaso com carvão em brasa e uma grelha por cima e o comensal assa a sua própria porção. Também é comum o sistema self-service, opção mais barata e farta.
Pois bem, só agora parei para pensar na anatomia da língua e entender porque a língua que eu comia era macia. Não sou exatamente o que as pessoas classificam com uma pessoa “esperta”. Não é raro eu demorar para me dar conta de alguma coisa. Paciência, ninguém é perfeito.
Aqui estão duas línguas que comprei neste final de semana (vistas superior e lateral). Para quem quiser saber, paguei R$8,50 cada uma, já limpa. O preço, pelo que vi, varia muito: pode estar entre R$6,50 e ir até quase R$10,00 o quilo. Aconselho comprar já limpa. Tirar a pele pode ser trabalhoso e chato.
Vamos olhar com mais cuidado. A parte mais grossa dela tem uma cor mais clara, com veios de gordura. Lendo um pouco vi que são tecidos diferentes. Na base existe mais tecido conjuntivo do que tecido muscular que na ponta dela. Ou seja, para o yakiniku, o que é utilizado é apenas a parte mais grossa da língua.
A língua é congelada e cortada em um cortador de frios. O congelamento facilita o corte e impede que o atrito da lâmina cozinhe a carne. Certamente uma pessoa habilidosa, dotada de uma boa faca bem afiada e uma boa dose de paciência consiga cortar fatias finas e regulares. Eu não sou nem uma nem outra coisa.
Cerca de 1/3 da parte mais grossa da língua (partindo da base) é mais marmorizada e pode ser cortada um pouco mais grossa, algo em torno de 3 milímetros.
Já o restante, precisa ser cortado mais fino, menos de 2 milímetros. Como saber quando é preciso cortar mais fino? A carne vai ficando mais e mais avermelhada. Se quiser uma aparência mais bonita, amarre e dê o formato arredondado antes de congelar. Não vai afetar no sabor, absolutamente.
Para quem nunca esteve em um supermercado japonês, é mais ou menos assim que eu comprava: em bandejas, com a carne enfileirada.
A maneira mais comum de comê-la é temperar com sal e pimenta-do-reino e, se gostar, um pouco de cebolinha. Chapa quente, cozimento rápido e nhac. Mas resolvi fazer um refogado (itame) com broto de feijão.
250 gramas de broto de feijão (moyashi)
150 gramas de língua de boi fatiada, temperada com um pouco de sal e pimenta-do-reino
Molho de ostras (produto comprado pronto, oyster sauce)
Coloque os brotos de feijão em uma frigideira e leve ao fogo baixo. Vá mexendo e refogando com paciência. Leva algum tempo, mas os brotos irão cozinhar e desidratar um pouco e não soltarão água. Retire da frigideira e reserve.
Aqueça a frigideira, adicione um pouco de óleo e refogue rapidamente. Não significa que ela deverá ficar mal-passada, mas não cozinhe demais. Adicione os brotos de feijão, misture, tempere com molho de ostras, misture e sirva. Muito rápido.
A língua tem uma textura própria. Ela é consistente mas não é borrachuda. Quanto à ponta da língua, puro músculo. Não adianta deixar marinando em amaciante de carne (testei, deixei por 30 minutos, 2 horas, 48 horas, continuou impossível de ser mastigada). O jeito é cozinhar na panela de pressão. Um prato da minha infância era língua cozida no vinho tinto, servida com purê de batatas. Alguns cozinham, cortam em tiras e grelham. Também dá para fazer um pastrami (foi o que fiz).
Muito interessante. Ficou lindo. Ainda fui lá rever o pastrami, outra coisa que ainda estou com vontade de tentar fazer e ainda sem coragem. Como é que você fala que não é esperta, não tem tanta habilidade etc etc e consegue fazer as coisas geniais que você faz?
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No caso do pastrami de língua, depois do período de cura na salmoura (uns 3 dias já é suficiente, já que a carne não é muito grossa e nem a peça é muito grande), ela é cozida na panela de pressão com água limpa, sal e temperos que gostar. Eu usei pimenta-do-reino, mostarda e uma pitada de coentro em grão. Levou uns 40 minutos para ficar macia.
Não sou esperta, na escola tive dificuldade em diversos assuntos, só fui entender anos depois e nem era tão complicado assim, como trigonometria. Hoje eu rio e digo que quando tenho dificuldade em resolver uma questão, preciso tomar uma certa distância para enxergar outro ângulo do problema.
O engraçado é que, apesar dessa carne e corte serem populares no Japão, quase ninguém comenta sobre ela no Brasil. Dei uma busca no Google e, pelo menos em português, quase não há nada. Acabei sendo o primeiro blog a explicar esse corte…
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Me encantei com este corte. Estava com a lingua do boi que abatemos ano passado congelada. Acabei de tirar do freezer para fazer este corte. Fiquei apenas com duas dúvidas, uma para mim e outra se puderes me ajudar, agradeço.
– Para mim: terei eu a capacidade de tirar a pele como as da foto? Afe, será um desafio…
– Se puder ajudar: Será que que dá para usar lingua que foi descongelada e depois congelar novamente somente para fatiar?
Fiquei encantada com o pastrami de lingua, vou pesquisar um pouco mais, pois não uso sal de cura aqui no sítio. Mas algum teste ainda farei.
Obrigada pelo compartilhar.
Abraços
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Eu tentaria “descasca-lo” ainda parcialmente congelado, ou seja, com a parte interna ainda congelada. Para quem não tem muita prática (como eu) é um trabalho chatinho. Trabalhei com a parte de cima da língua virada para baixo, a faca em ângulo, raspando o couro. Mas teve uns lugares que não consegui fazer isso e acabei tirando uns nacos maiores do que devia.
Salitre faz parte do processo, vai deixar a carne mais segura quanto à salmonela, que é bem perigosa e recentemente, quase foi fatal para uma família, deu no noticiário da tv. Por outro lado, língua cozida rende pratos clássicos.
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Há anos que não como língua de boi, a única vez que comí foi na casa de uma tia, ela tinha feito língua cortada em tiras com missô.
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Mesmo, Marcel? Eu pensei na língua depois de me espantar com o preço da carne em geral.
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Particularmente, adoro, mas não tenho feito pois meu namorido não gosta muito, mas agora que ele vai viajar e ficar fora pelo menos 30 dias, vou me fartar. Pego a língua, lavo com uma escovinha para tirar aquela saliva toda, cozinho inteira em panela de pressão com 2 limões cortados em fatias, por 30 ou 40 min. A pele solta todinha, lavo novamente com limão, corto em fatias finas, não muito finas pois prefiro mais grossinhas, refogo em temperos e cubro com molho vermelho, ou refogo com legumes, tipo yakissoba. Se preferir mais macia volta prá pressão mais uns 20 minutinhos, já cortada.
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Minha mãe sempre fez a lingua cozida na panela de pressão e limpava depois de cozida, parece que a pele saia mais fácil.
Pra comer era fatir e passar no shoyu com wasabi.
Eu gosto muito mas fica muito bom também fatiar ela já cozida e passar numa frigideira com antiaderente bom e sem oleo para ela ficar mais sequinha. O tempero pode ser a gosto.
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