Maienza

Você já ouviu falar na Maienza? Até outro dia, nem eu. Mas já havia visto o belo trabalho do professor Yoshiaki Sogabe na recuperação de um rio no Japão. Ele desenvolveu um produto à base de fermento de pão, iogurte e natto. Contando com a colaboração da comunidade local, todos os dias despejavam uma quantidade bem pequena desse preparado ralo abaixo. Como a água da pia das cozinhas japonesas normalmente não é tratada, isso tudo ia para o rio. Pelo que entendi – e me lembro, porque essa reportagem já tem vários anos – o objetivo era povoar o desgastado rio com microorganismos benéficos. Naturalmente os ruins não suportariam a competição e isso proporcionaria o crescimento de outras formas de vida. Ou seja, foi preciso começar com os pequenos para chegar nos grandes. Claro que na época, achei a idéia fabulosa. E também fiquei muito impressionada com o comprometimento da comunidade. Mas recuperar um rio não é só isso. Foi preciso limpar as margens, tirar entulhos, plantar, re-introduzir espécies… Para mim, ficou a lembrança de que nosso meio é responsabilidade de todos e que pequenos gestos contribuem.

Na semana passada, assistindo à tv japonesa (NHK), lá estava novamente o senhor Sogabe. Mas desta vez, não estava só falando da restauração de um rio. Na verdade, o tema era natto. Esse feijão fermentado, odiado e amado por tantos, tem várias propriedades interessantes. Pulo a parte sobre nutrição, que não é a minha praia e também porque não quero criar mitos. O Bacillus subtilis, presente naturalmente no solo e na água, tem uma capacidade enorme de multiplicação, não-patogênico e já é usado no controle de pragas e doenças em plantas. O fermento de pão – Saccharomyces cerevisiae – é um fungo que também tem capacidade de sintetizar antibióticos e – adivinhem? – também está sendo usado no controle de pragas nos campos. Por fim, o iogurte, outra bactéria que não nos provoca mal. Também vi que já se usa tanto a bacteria do natto quanto do iogurte em tratamentos de pele. Pelo visto, a onda não é matar todos os microorganismos e sim, estimular os mocinhos para que eles acabem com os bandidos. Mas afinal, o que é a Maienza? É um produto de limpeza orgânico, feito a partir do fermento de pão, iogurte e natto. É comercializado no Japão através deste site: http://heart-ai.org .

O professor Yoshiaki  Sogabe aparece aqui: http://heart-ai.org/developer e os empregos desse produto estão aqui: http://heart-ai.org/howto/index.html. Tudo em japonês. Infelizmente não encontrei nada em inglês.

Bem, mas isso não significa que é preciso encomendar esse produto no Japão. Durante o programa Asaichi do dia 11/10, ele pode ser feito em casa. As instruções estão nesta página (em PDF): http://www.nhk.or.jp/asaichi/2010/10/11/images/101011.pdf Ah, mas está em japonês. Bem, eu também não entendo muito esse idioma! Mas dou meus tropeços e como é um folheto ilustrado, dá para entender. E como não fiquei completamente satisfeita, fui procurar na origem, onde tudo costuma ser melhor explicado: na página da cidade de kasaoka, onde tudo começou (lembram do rio, etc? Pois é) http://www.city.kasaoka.okayama.jp/0048/0008_ehimeAI.pdf

Bem, para quem quiser tentar o produto de limpeza orgânico, aqui vão as medidas para preparar 1,5 litro dele: 45 gramas de açúcar 15 a 18 gramas de fermento biológico seco (no verão, use menos, no inverno, use as 18 gramas) 75 gramas de iogurte natural 3 grãos de natto (isso mesmo, só 3 carocinhos de soja fermentada) 750 ml de água morna E você também vai precisar de uma iogurteira. Poderia sugerir uma caixa térmica, com um saco de água morna ou uma garrafa térmica, mas ambas as opções são meio chatas para controlar a temperatura em torno de 35 graus. Se mora em uma região muito quente, esqueça a iogurteira.

Meça e misture o açúcar com o fermento biológico.

Adicione o iogurte. Misture.

Adicione os grãos de natto. Como podem ver (borrado, é verdade), são só 3 grãos mesmo. Bata. A mistura vai espessar e você poderá notar uns filamentos bem finos. É isso que queremos. Na verdade, o grão de soja importa pouco, o interessante é essa “baba”. Adicione a água, tampe o pote e leve à iogurteira.

No começo, vai fermentar, borbulhar. É normal.

Depois de 24 horas (ou um pouco mais), a mistura vai estar amarelada e haverá um sedimento.

Conferindo o pH, que deve estar entre 3 e 4.

Coe e despeje em uma garrafa pet de 1.5 litros. Complete com água. Deixe em local protegido do frio por mais uma semana. Eventualmente, abra e deixe escapar o gás que se forma. Em uma das páginas li que era para deixar aquecido durante 1 semana. Enfim, não tenho certeza qual é o procedimento mais correto… Se alguém realmente lê japonês, por favor, esclareça essa dúvida para nós. Pronto. Mas será que limpa mesmo? Não resisti a um teste tipo antes e depois. Dizer que limpa o chão, ótimo, mas é um tanto quanto subjetivo. O teste da panela engordurada, sebenta e queimada é bem melhor. Ou, pelo menos, impressiona mais.

Digamos, tipo esta panela aí. Claro, eu também tenho panelas que escondo da humanidade. No caso, só a apresento por um bom motivo: está realmente suja, um caso perdido.

Coloquei o produto em um frasco com spray, pulverizei toda a panela e cobri com filme plástico para que não secasse. E deixei por umas 4 horas.

Depois deste tempo todo, só esfreguei com uma palha de aço (daquelas mais grossas), seca, sem sabão, sem água, sem nada. E foi tirando quase toda crosta… Talvez funcionasse ainda melhor se eu tivesse deixado a panela mergulhada em uma solução morna. Mas acho que o experimento foi bem-sucedido.

Também usei no forro do teto do carro. Pulverizei (diluí na proporção de 1 parte do produto para 4 de água) e tirei a sujeira com um pano seco. Na caixa de areia das gatas, tirou parte do cheiro, mas isso é um tanto quanto subjetivo. Limpei o fogão (produto puro em spray e depois, um pano úmido), passei no chão (30 ml em um balde de água) e em pontos de mofo, debaixo da pia. Neste caso, o resultado foi impressionante. Borrifei o produto puro nas manchas escuras e tirei com um pano úmido. Em superfícies ásperas não funcionou tão bem. E, por fim, estou testando nas plantas. Reguei umas cebolinhas tristes (na proporção de 1 para 500) e pulverizei as roseiras, sujeitas a pragas e fungos. Mas isso leva algum tempo para eu constatar se vai surtir efeito ou não. Quanto ao cheiro, tem um cheirinho de coisa fermentada, sim, mas não é persistente. Também é interessante despejar no ralo e torcer para que mantenha a caixa de gordura limpa. Em fossas, dizem, também evita o mau-cheiro, assim como em compostagens. E há quem tome banho com uma solução bem fraca dela. Eu usei uns 30 ml em um balde de água e finalizei o banho do totó. Ele tem um problema de pele persistente e o resultado disso é um cheirinho desagradável. Ele não gostou, mas o cheiro sumiu. E ainda por cima, o pelo dele ficou macio e brilhante.

Bem, é ótimo que um produto de limpeza limpe de verdade. Mas para quê tanto trabalho? Bem, a vantagem nisso tudo é que usamos menos detergentes e substâncias agressivas. Vai menos detergente para o esgoto e, pelo que sei, é um grande problema para a reciclagem da água. O risco de alergia a ele é menor, talvez nulo. E, por fim, são organismos que já estão à nossa volta, contribuem para a disponibilização de nutrientes no solo, ajudam a controlar pragas em plantas e o custo é baixo.

Quero finalizar com um aviso muito importante: apesar de ser bom, apesar de ser feito com bactérias e um fungo que consumimos, este não é um produto para ser bebido. É para ser usado externamente. Não pingue no olho, não faça gargarejos.

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23 Responses to Maienza

  1. Verônica Colares diz:

    Achei fantastica essa solução, mas fiquei na duvida de como eu acho esses grãos de natto (ou como eu faço para a soja ficar fermentada)?

    • Marisa Ono diz:

      O natto pode ser comprado em lojas de produtos orientais. Em algumas feiras também vejo nas barraquinhas, em potinhos ou copinhos pequenos. Fazer em casa dá um certo trabalho e nem sempre fica bom.

  2. Célia Tatsuta diz:

    Marisa, pelo que consegui ler naquela receita em japonês, diz apenas que é para conservar o produto em ambientes a menos de 45 graus e a durabilidade (se embalados em recipientes de 350 ml) é de aproximadamente 1 ano embora o recomendável é se utilizar dentro de 3 meses.

    • Marisa Ono diz:

      Obrigada, Célia. Em algum lugar (foram muitas páginas pesquisadas) eu li que duraria 1 ano se fosse mantido em refrigeração. Se bem que, domesticamente, acho bobagem fazer uma quantidade tão grande, já que dá para fazer em poucos dias.

  3. ana maria diz:

    Que achado! Vou experimentar porque, além de tudo, é mais barato do que os produtos orgânicos de mercados. Como moro em chácara a água usada em pias, chuveiros, tanque é jogada diretamente na terra com os químicos à mão e o esgoto em fossas. Se conseguir melhorar o que vai pela pia já é um passo. E nos vasos sanitários pra dar uma geral na fossa.
    Natureza e eu agradecemos.

    Ana

    • Marisa Ono diz:

      Ainda não testei, mas sugerem usá-lo na roupa também. 50 a 100 ml na máquina de lavar, deixar de molho por uma noite. No dia seguinte, lavar normalmente, mas será necessário menos sabão que o usual. Em caso de sujeiras difíceis, uma borrifada de spray para desencardir. Em tempos úmidos, a roupa não ficará com cheiro de cachorro molhado. Bem, mas isso, ainda falta testar.
      No caso de louças, eu experimentei borrifar um pouco sobre cada prato sujo. Achei que a gordura saiu com mais facilidade e usando menos detergente.
      E ainda continuo com os testes em plantas – borrifando para controlar o fungo que ataca as roseiras e regando plantas que estão em desenvolvimento. Mas isso provavelmente vai demorar.

  4. Ione diz:

    Desengordurar fígado nem pensar? 🙂
    Adorei a idéia e os experimentos! Marisa, só vc pra fazer essas coisas!

    • Marisa Ono diz:

      Eu não vi o programa inteiro, Diulza. Mas como eles logo disponibilizam no site, fui conferir. Só vi a parte em que eles borrifam um pouco do produto em um pedaço de papel impregnado com um aroma ruim e ele cortou o cheiro. E depois falaram desse professor que eu já tinha visto em outro programa. Ainda não testei no forno, mas tem funcionado para tirar o mofo que teima em criar na parte de baixo da pia. Sobre as plantas, também ajudou no controle do fungo branco. Ainda é algo que vou testar em muita coisa…

  5. Diulza diz:

    OI Marisa estou euforica eu vi a parte que e feita uma espuma e colocada norosto,fiquei muito curiosa ia até te ligar,para saber o que era aquilo feito com nato, agora vou fazer para usar na limpeza,do meu forno pois ninguem mereçe limpa forno né, to boba com o que foi feito com sua panela ficou nova,rsrs,Ma, eu não sei por que ele s não coloca a legenda em Portugues,até o canal coreano tem legenda em portugues,meu filho quer mandar um email, pra ver o que aconteçe,podia todo mundo pedir acolonia quem sabe colocaria as legendas, ainda bem que nos temos vc. beijos.

  6. Akemi diz:

    Fiquei boquiaberta com esta solução! É preciso mesmo medir o ph? Onde posso encontrar essa fita?

    • Marisa Ono diz:

      É bom medir. Pelo que me lembro, acima de 3 ainda há a possibilidade de desenvolver algo nocivo à saúde, como salmonelas (embora eu não tenha certeza se isso se aplica à situação). As tiras para controle de pH encontrei no Mercado Livre, embora talvez possam ser compradas em lojas de produtos para aquários e peixes. Ainda vou ter um medidor de verdade, um dia…

  7. Mobi diz:

    Soh tenho uma duvida : como se prepara o “natto” ( a soja fermentada )?
    Esta eh a primeira vez que entro neste site …
    Obrigado

    • Marisa Ono diz:

      Vai por mim, Mobi, é melhor comprar pronto. Natto é soja cozida e fermentada. Precisa ser inoculada com uma bactéria e é mais seguro usar uma cepa selecionada. Coisa que, infelizmente, só se encontra fora do Brasil. Dá trabalho e nem sempre fica bom.

  8. SissiKutis diz:

    Marisa, boa tarde!
    Meus pais moram em um sítio e a água é de poço, mas não tem uma qualidade muito boa. Será que esta mistura pode ser utilizada para a higienização desta agua?

  9. jasmin diz:

    Oi, Marisa, voce e maravilhosa!!!
    Adoro o modo divertido, claro e espontaneo como escreve… E o mais legal, com temas deliciosos e educativos….
    Fiz essa solucao e e otima. Limpa mesmo..
    Obrigada por nos trazer tantas dicas, receitas, pensamentos…
    beijos, Jasmin

  10. Mauro Emmerson diz:

    Marisa Ono, ouvi dizer que a gente pode jogar a baba do natto (ou alguns grãos) no aquário ou dentro do ar condicionado para prevenir bactérias nocivas, o que você acha disso? Será verdade?
    Um cordial abraço.

    • Marisa Ono diz:

      Eu nunca ouvi isso, Mauro. Pelo que sei desenvolveram sabonetes e outros produtos para a pele com natto mas duvido que tenham usado uma pasta de natto. Devem ter isolado uma enzima ou algo que o valha. Essa informação tem um fundo de verdade, é mais fácil o natto contaminar outras culturas que ser contaminado.

  11. Paulo José Emmer diz:

    Interessante demais! Porém eu faço o seguinte com eficiência: ao fazer o meu nattô, as palhas de arroz ficam impregnadas de visgo (bacilos). Deixo elas de molho em água limpa, depois é só coar e por no borrifador. Eu borrifo o filtro do ar condicionado, tapetes, carpetes, esponjas de lavar pratos, panos de chão, etc.

    Fiz um teste: em dois frascos pus pão. Num, borrifei água de baba de nattô. No outro não. RESULTADO: O que foi borrifado não criou mofo.

    CONCLUSÃO: O bacilo natô serve mesmo de detergente bactericida, etc.

    Abraço a todos!

  12. Gilda diz:

    Eu como sempre, levo uma eternidade para experimentar seus ensinamentos, mas eis que eu nunca havia ouvido falar em natto, até você mencionar a existência dele. E desde então, só no mês passado apareceu na quitanda da cidade e eu comprei correndo. Além de experimentar comer e de ter gostado, fabriquei a maienza, seguindo as instruções. Só não conferi a acidez com as tirinhas. E de fato é um poderoso limpador. Agora estou também testando em plantas. Não querendo abusar da sua paciência,
    você me diria se valeu a pena pulverizar orquídeas e se ajudou com as cochonilas que aparecem nelas? Estou precisando pulverizar. Normalmente uso óleo de neem (um preparado comprado pronto) ou infusão de arruda. Estou com medo de demorar no controle e perder a guerra, mas acho que ajudou na primeira aplicação. Se for possível você me dizer será muito bom. Obrigada por mais este achado.

    • Marisa Ono diz:

      Gilda, para conchonila eu uso um produto orgânico, à base de enxofre e creio que cobre. Na loja me disseram que óleo emulsionável (creio que chamam de óleo mineral) funciona bem, diluído em água, pulverizado sobre a planta. Sufoca e mata. A Neide Rigo testou suco de folha de mamão em pulgões e diz que funcionou. Eu não testei com plantas, ouvi dizer que é bom para mofo e que é bom aplicar no solo para evitar doenças da raiz.

  13. Gilda diz:

    Muito obrigada pela resposta. Matar pulgões é mais fácil que cochonila por causa da carapaça que elas têm e que serve de escudo, não é assim? Por isto o produto com óleo de neem tem funcionado. Achei que talvez a maienza ajude a permeabilizar esta carapaça, mas vou deixar para testar em outra planta menos complicada que orquídea. Se achar que valeu a pena eu te conto.

  14. Álvaro diz:

    …Olá Marisa boa tarde,mesmo sem entender nada da língua japonesa, mas admiro muito sua cultura e seus costumes, assisto alguns programas na NHK, aprendi muita coisa, assistindo a gente entende né.
    Entrei procurando palavras com watachi, anato, kudasai qué mais comum de entender, e então achei seu blog.
    muito interessante, valeu
    OBRIGADO. GRANDE ABRAÇO…

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