Fabrícia Osada me pede uma receita infalível e o meu lado cientista quase tem um treco. São variáveis demais! – grita o meu lado analítico. Em condições domésticas, é impossível controlar o ambiente!
Pois é, não existe receita infalível. Não temos garantias da qualidade de nenhum ingrediente. E, mesmo que a qualidade fosse uma coisa regular, ainda temos que lidar com o índice de umidade. Por conta de dia mais ou menos seco, lá se vai uma colherada a mais ou a menos de líquido em uma receita de bolo ou pão.
Por falar em colheres, está aí outro problema: medidas. Já vi receitas usando xícaras, copos, colheres, pires, pratos, latas vazias de leite condensado, pote de maionese e tampas de refrigerante como medida. Essas medidas não são padronizadas. Tenho xícaras “padrão” com 200, 220 e 240 ml de volume. Sempre que possível, prefiro pesar os ingredientes.
Fornos e fogões são diferentes. Isso é fato. A não ser que compre um forno elétrico ou um termômetro, a temperatura do forno vai ser sempre um valor bem abstrato, exigindo acompanhamento e olho para conferir o ponto, a cor. Mesmo assim, tive um forno que não funcionava bem para assar bolos com mais de 7 cm de altura. Era digital, elétrico, bonito. Mas não funcionava para tudo. O que uso agora tem um probleminha de distribuição da temperatura, que me obriga a mudar de posição da assadeira no meio-tempo de forno. O fogão de indução é uma maravilha. Só que exige panelas de ferro ou aço inoxidável. Não funciona com aquela panelinha de barro, muito menos com uma frigideira de alumínio com a qual eu já estou acostumada. Tenho, acho bom, funciona bem, mas não é algo que eu use todos os dias e para tudo.
E a temperatura do ambiente? O inverno é uma estação infeliz para quem faz pão. E o verão é o terror para quem trabalha com chocolate e massas folhadas. E a maioria das cozinhas domésticas não possui um ar-condicionado. Se bem que eu iria gostar de ter uma cozinha refrigerada…
E, por fim, a altitude. O ponto de ebulição da água varia conforme a altitude. Pode parecer bobagem, mas a 1.500 m de altitude, a água ferve a aproximadamente 95 graus. Por conta disso, o tempo de cozimento aumenta. Em altitudes elevadas, a pressão atmosférica é menor. Ou seja, é preciso corrigir a quantidade de fermento químico em uma receita de bolo, por exemplo.
Mesmo na indústria, é quase impossível conseguir uma regularidade. Trabalhei durante dois anos em uma indústria de alimentos e cada lote tinha características diferentes. Mas, claro, havia um certo padrão considerado aceitável. Quantidade de sal, gordura, por exemplo, ficavam sempre em uma média. Mas lotes diferentes apresentavam cores bem distintas, por exemplo. E não era raro a textura também variar.
Bem, o que quero dizer com isso tudo é que receita infalível, só em um laboratório e com uma receita cheia de especificações. Mas existem receitas que funcionam bem, que exigem só um pouco de cuidado e atenção. No mais, só com a prática – essa coisa maravilhosa, que nos faz analisar tantas variáveis, fazer as correções quase que automaticamente e quase ignorar toda a ciência por trás (pela frente, lados e por cima) de uma receita.
Hahahaha nada muito a ver (ou como diz o povo, “nada haver” hihihi) mas uma lembrança dos tempos de faculdade.
O laboratório didático das Químicas da USP era muito velho, as laboratoristas diziam que as coisas não davam certo mesmo. Só que a função delas é insistir com os alunos que se esforcem para dar certo. Bem, um dia estávamos com uma funcionária mais caxias, que não queria erro maior que 10%. Mas o erro que todo mundo estava conseguindo batia nos 20%… o que fazer? O óbvio: pegamos o resultado esperado e fizemos a continha reversa. Daí escrevemos, no campo do peso do reagente mais crítico, um valor que daria 2% de erro. A gente achou que ela ia implicar com o erro tão pequeno, mas enfim, apresentamos. E não é que ela falou “gente, este grupo aqui conseguiu, peguem os resultados deles!!” HAHAHAHAHA
Tudo isso para resumir o que eu deduzi ser uma receita infalível: fazer as contas inversas, ajustar e enviar para o Cybercook…
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Pois é, Myrna. Laboratório de Física I, II e o III eu acabei deixando de fazer pela metade. Em um deles, nossa turma recebeu uma caixa cheia de resistores. Antes de começar a experiência, testamos para ver se algum prestava. Acho que salvamos uns 10…
Durante o Laboratório de Física III, o professor veio avisando que lia os relatórios. E que um aluno havia incluído uma receita de bolo de chocolate no meio da papelada. Bem, era quase regra “cozinhar” os resultados para chegar em um desvio-padrão máximo de 5%. Creio que o colega gozador se referiu a isso. Gostaria de saber se a receita do bolo de chocolate era ao menos boa!
Poderia ser até engraçado descrever uma receita com todos os detalhes e variáveis (estou cozinhando acima de 900 m de altitude, para começo de conversa). Mas cheguei à conclusão que uma receitinha qualquer iria ficar parecendo o manual de instruções do meu celular. E quase ninguém lê manual de instruções de qualquer aparelho eletro-eletrônico… 😉
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