Glutamato Monossódico

Ontem duas pessoas pediram minha opinião a respeito do glutamato monossódico. Não sou médica, nem biomédica, quem bioquímica e essas pessoas sabem disso. Perguntaram minha opinião porque sabem que cozinho sempre buscando o máximo de umami possível no prato e sabem do quanto eu pesquiso, leio e analiso.

A pergunta (foi só uma pergunta, vinda de duas pessoas diferentes, no mesmo dia) foi direta: Você acha que glutamato monossódico faz mal?

Bem, se os órgãos públicos ligados à saúde considerassem o glutamato perigoso, obrigaria que a quantidade dele presente em todos os produtos comercializados aparecesse no rótulo. Isso incluiria não só salgadinhos de milho como presunto curado, molho de soja, queijos maturados e vegemite. Isso já acontece com o sódio, por exemplo, que nem sempre vem do sal utilizado no preparo.

Mas muita gente vai dizer que o glutamato monossódico é uma coisa e o glutamato que existe em produtos fermentados é diferente. Não, não é. Ou pelo menos não tanto. O glutamato monossódico é o glutamato com uma molécula de sódio, o que o transforma em um sal, fácil de ser transportado. Em contato com água, o sódio vai para um lado, o glutamato para outro.

E, felizmente, nosso organismo não distingue produtos naturais de “sintéticos”. Coloquei os parênteses porque muita gente pensa que uma substância sintética é algo derivado do petróleo, parente do plástico, por exemplo. Não é bem assim. Tem muita coisa derivada de produtos naturais, submetidos a alguma fermentação, por exemplo. De qualquer forma, ainda bem que nosso organismo não tem a capacidade de perceber a diferença e podemos nos beneficiar do alívio de uma aspirina em vez de ficar procurando um galho de salgueiro para extrair o ácido salicílico dele, não? Engraçado pensar que as pessoas nem se perguntam de onde vem as vitaminas dos suplementos que tomam…

Acusam o glutamato de causar diversas doenças, desde diabetes a demência.

Mas vamos dar uma olhada nas estatísticas de consumo do glutamato no mundo? A Ásia consome 89% do glutamato monossódico produzido no mundo, sendo que a China, sozinha, consome cerca de 67%. Então era de se esperar que na Ásia houvesse uma epidemia de diabetes, obesidade, doenças respiratórias e demência. Bem, pelo visto isso não acontece. Muita gente pensa exatamente ao contrário quando se fala em saúde e Ásia: longevidade, terceira idade ativa, menores índices de doenças cardíacas e por aí vai.

Aqui vai o link para o consumo mundial de glutamato monossódico:

https://www.ihs.com/products/monosodium-glutamate-chemical-economics-handbook.html

Não digo que não existam mais pessoas sofrendo de demência no mundo. Muito pelo contrário, é uma questão que está sendo estudada e um desafio para este século: conhecer o cérebro humano. Ainda estamos tateando nessa área e o mais importante órgão humano é um desafio, não apenas por ele ser complexo como também pelo fato que não dá para ficar cutucando e estudando um sem correr o risco de provocar danos permanentes nele. Mas as estatísticas sobre demência mundial ainda são questionáveis. Não temos um parâmetro porque nunca tivemos tanta gente vivendo tanto no mundo. Nas últimas 3 décadas a expectativa de vida em muitos países simplesmente disparou. É bem possível que números de pacientes tenha aumentado apenas porque estamos vivendo mais.

E quanto a toxicidade? Até água, em excesso, mata.

Até o momento (veja bem, Ciência não é uma coisa estática, amanhã pode surgir algo novo), um ser humano pode sobreviver a uma dose de 10 gramas de glutamato monossódico sem sofrer lesões no hipotálamo, por exemplo.

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10736380

Sim, existem pesquisas que atestam a toxicidade dele. Encontrei 256 artigos numa busca rápida. A maioria das pesquisas foram realizadas em cobaias ou tecidos. Outro ponto questionável é o método: muitas pesquisas usam uma quantidade absurda de glutamato monossódico ou ele é injetado na corrente sanguínea. Por exemplo, 5 gramas de glutamato para um rato equivaleria a quantos gramas para um humano, considerando seu peso? 250 gramas? Mais? Métodos questionáveis mas não chegam a ser antiéticos. Um exemplo relacionado à obesidade:

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16132059

Uma das poucas pesquisas relacionadas a humanos mesmo foi feita na China e não comprovaram relação alguma com a asma.

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23240044

Como podem ver, tomei o cuidado de não usar nenhuma pesquisa tirada de um site ligado à indústria de alimentos. Os artigos são de diferentes autores, de diferentes países, para que ninguém diga que beneficiei ninguém. O Pubmed é um site de um órgão do governo americano que conta com uma enorme biblioteca de artigos científicos, o que facilitou enormemente a pesquisa.

Artigos de revistas e jornais foram descartados. É sempre melhor ir direto na fonte. Artigos que não citam o pesquisador, para mim, são apenas fofoca. Tem tanto valor quanto a opinião da vizinha da cunhada da prima da cabeleireira.

Não uso glutamato monossódico aqui em casa, pelo menos não de maneira direta. Ele vem em alguns produtos industrializados como linguiças, molhos prontos, na farofinha que vem junto como frango assado, nos salgadinhos. Aliás, que seria do salgadinho de milho sem glutamato? Uma massa com gosto de isopor.

Aliás, a indústria emprega largamente esse realçador de sabor (é, nem sempre dizem no rótulo que usam glutamato monossódico), um recurso barato para aumentar a aceitação de um produto. Isso é errado? Não creio. Num mundo ideal todo mundo comeria comida fresca mas neste mundo há muita gente que nem tem fogão (há uns 4 anos um pesquisador da área da energia me disse que quase metade da população brasileira ainda usa fogão à lenha), muito menos geladeira. Para economizar gás ou lenha, tempo e dinheiro, muita gente opta por abrir um pacote de biscoitos enriquecidos com vitaminas. Carne processada (linguiças, salsichas, nuggets) também consomem pouco tempo e são mais baratos que carne fresca. Sem glutamato, seriam uma massa sem gosto.

A crueldade não está em usar glutamato para que as pessoas comam mais. Para mim está no fato que produzimos comida suficiente para alimentar tanta gente mas desperdiçamos. Está no fato que o transporte e a distribuição não sejam tão eficientes. E, claro, nas diferenças sociais e econômicas gritantes. Para uns, o glutamato vem dentro que queijos e presuntos. Para outros, num pacote de pipoca. Não vejo a indústria de alimentos como a grande vilã. Ela tem se esforçado para produzir comida barata e contribuído para diminuir a morte por inanição. A subnutrição é um problema que envolve órgãos de saúde e política.

Bem, a resposta à pergunta que me fizeram é: não. Não creio que o glutamato monossódico faça mal. Já a desinformação, a nossa sociedade em geral e a nossa política…

 

 

 

 

 

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7 Responses to Glutamato Monossódico

  1. Ricardo diz:

    Ótima matéria! Obrigado pelo artigo e preciosa informação.

  2. Rafael R. diz:

    Ótimo texto, Marisa!

    Infelizmente, as pessoas acreditam nestes “mitos urbanos”.

    Segue mais um link falando sobre o assunto e sobre o livro
    “Umami e Glutamato: Aspectos Químicos, Biológicos e Tecnológicos”, organizado pelo docente da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da UNICAMP, Felix G. Reyes.

    http://www.unicamp.br/unicamp/ju/535/livro-revela-aspectos-do-glutamato-monossodico

  3. diulza Angelica dos Santos diz:

    Marisa pedi pra Renatinha fazer uma copia pra eu ler tudo.mais meio por cima te falo cada hora inventa que algo faz mal,eu tenho uma irmã,em Goiânia que vai fazer 100 anos agora em agosto,minha mãe faleceu com 99,somos uma família que vivemos muito,e sempre comemos de tudo, pois viemos da roça.Não temos habito de comer enlatados,hoje sofro de doença degenerativa.se voçê ver a dieta fica doida,pior que faz mal a minha diabete e fiquei hipertensa.Não sei mais o que comer.Dai adoeço por causa disto,passo horas lendo rotulo no mercado.Sei que antigamente tudo na conserva ia um pouco de Glutamato,agora ele virou o vilão da vez?Devem de estar inventado algo pra colocar no lugar é sempre assim.Como fica o Shoyu?bjs.

    • Marisa Ono diz:

      Pois é, Diulza. O problema é que muita coisa que é noticiada não é trabalho de um bom jornalista especializado em ciências. Vejo também muita bobagem na TV, que é um veículo que atinge mais gente ainda e, por fim, tem o Facebook. Em nenhum desses casos há a preocupação em se verificar a veracidade, citar fonte, é só uma fofoca passada adiante.

  4. Carolina diz:

    Ótimo texto, bem claro e abrangente! @nao_gosto_de_canela

  5. Silvia BH diz:

    Não gsoto de glutamatao, não acho uqe faça bem, d´apra fazer lingüiça na roça sem ele. Não concordo que os os órgãos públicos sejam tão zelosos. Se o fossem, já teriam ajustado o teor de iood no sal, ´por exemplo, ou seriam rigorosos com relação a presença de agrotóxicos nos alimentos.

    Mas do que gostei foi de como expôs sua pesquisa e avaliou os resultados. O cuidado em examinar as fontes. Uma aula!
    Uma aula muito bacana de como usar a inteligencia, o raciocínio, a formulação de juízo, como buscar fonte de informação. Penso que em muito curso universitário não se tem uma única aula como esta.

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