Cinco Anos, Milésimo Post

Este é o milésimo post. Tudo começou ainda no blogspot, em 2 de julho de 2007. Ou seja, também estou comemorando 5 anos de “escrivinhação”. Isso tudo é mais mérito dos leitores que meu. Se eu continuasse com os 50 acessos diários por muito tempo, teria desistido. Ou, pelo menos, teria escrito bem menos. No mês passado foram 118 mil. Creio que estou escrevendo sobre algo que as pessoas querem ler.

Há uma semana pensei em fazer uma receita especial para comemorar essa marca. Pensei melhor e, por conta de muito que ouvi nos últimos dias, resolvi apenas escrever. Alguns leitores acompanham um pouco do meu dia-a-dia no Facebook ou Twitter. Lá é entretenimento, sem a obrigação de ser séria. A grande maioria dos meus leitores nunca me viu, pouco sabe a meu respeito.

Comecei a cozinhar não por gosto, mas por necessidade. Em dado momento da minha vida vi-me diante da obrigação de realizar uma série de tarefas domésticas. Meu pai estava muito doente, minha mãe trabalhava muito e, claro, não havia a menor condição de ter uma empregada. Aliás, nunca tivemos. Aos nove anos eu acordava, tomava o café, lavava o que havia restado da louça do jantar, limpava a casa e preparava o almoço, antes de ir para a escola. Chegava da escola perto das 19 horas, jantava, lavava meu uniforme escolar e fazia as tarefas da escola. Hoje digo, com certa frequência, que muitas vezes é preciso aprender a gostar do que faz. Nem sempre a gente consegue fazer o que gosta.

Naquela época eu cozinhava o que havia. Também não sabia fazer muita coisa: arroz, feijão, verdura refogada, algum cozido ou sopa e fritava um ovo ou linguiça. Doces não faziam parte do meu repertório. Comíamos batata-doce e chuchu que davam no quintal com muita frequência. Anos depois meu pai já não precisava consumir tantos medicamentos e começou a fazer pequenos trabalhos para a vizinhança: consertava relógios, ferros de passar roupa, era mecânico e sabia lidar muito bem com máquinas em geral. E a vida foi ficando um pouco mais fácil.

Só depois de adulta, depois de começar a trabalhar é que fui provar muita coisa e daí surgiu a curiosidade em cozinhar outras comidas, com outros ingredientes. E depois passei muitos anos no Japão, onde a facilidade para comprar, sobretudo alimentos, é muito grande. Restaurantes, considerando-se o salário padrão de lá, não são tão caros. Não sei bem quando percebi que queria provar um mundo inteiro. Mas percebi o valor da comida há muito tempo e sei bem quando foi.

Quando tinha uns 10 anos, morávamos em uma pequena casa em Londrina. A vizinha trabalhava à noite, chegava cedo, lavava roupa, cozinhava e ia dormir. Ela tinha um filho mais novo que eu e vivia com os pais, bem idosos e ambos, doentes. E, bem, creio que quase todo mundo que vivia naquele bairro não tinha uma vida muito boa. Um dia ela chamou-me e passou um prato com angu e molho de tomate por cima da cerca. Não era um prato sofisticado, o molho era bem ralo e só tinha um pouco de cebola picada. Era um prato barato mas naquele momento vi o valor dele. Comida não é só alimento. É uma maneira de carinho, criamos vínculos emocionais. Todos nós valorizamos muito algum prato ou ingrediente. Para meu pai, o pudim mata-fome era algo muito especial.

Essas lembranças vieram durante uma das aulas do Paladar – Cozinha do Brasil. Rodrigo Oliveira perguntou se sabíamos a diferença entre custo e valor. Mais adiante, ele comentou: “Não é que sertanejo não goste de manteiga, ele usa quando tem. Ele usa queijo quando tem.”E eu diria o mesmo sobre o pobre. Como hoje em dia é feio falar “pobre”, digamos então “as classes menos privilegiadas”, embora eu não veja privilégio nenhum nessa classe.

E outro dia ouvi algum comentário sobre o aumento do consumo das classes C e D. O comentário não era dos mais simpáticos. É verdade que o aumento de alimentos processados aumentou muito nesse grupo, talvez estejam fazendo escolhas nutricionalmente erradas e outras coisas. Mas ainda prefiro acreditar que ter a liberdade para escolher é melhor que ter o seu consumo condicionado a uma renda miserável.

E também espero que a comida siga assim, livre, que os “comeres” não sejam considerados certos ou errados, um prato, um ingrediente, um restaurante ou padaria pode ser bom ou ruim, gostoso ou não. Hoje damos muita atenção à comida brasileira, sertaneja, amazônica e acho ótimo. Mas não me sinto culpada por gostar de ir a uma cantina que serve porções gigantescas. Pastel de feira tem o seu valor. Os ovos que minha vizinha costuma me dar são valiosos. Continuarei escrevendo, na crença de que alguma receita seja valiosa para alguém. Sugeriram que eu completasse cada post com o custo dos ingredientes. Não vou fazer isso. Porque a refeição dividida com familiares ou amigos vai além disso.

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20 Responses to Cinco Anos, Milésimo Post

  1. CSampei diz:

    Parabéns Marisa!

  2. Akemi diz:

    Marisa, vc escreve com honestidade, alma e coração e os números estão aí para comprovar! Adorei saber um pouco mais da sua história e o episódio do angu com molho ralo foi marcante, assim como realmente não dá pra passar o custo de um prato apenas em valores monetários! Espero que continue a nos presentear com seus posts inteligentes e saborosos por muito tempo! Parabéns!!! Bjss

    • Marisa Ono diz:

      Akemi, essa questão do custo e valor ficou martelando na minha cabeça por um bom tempo. Fala-se tanto em gastronomia, em preços de restaurantes, mas muitas vezes tenho a impressão que as pessoas estão comendo um lugar, um evento e não comida. Não estão comendo pelo prazer e muito menos pela alegria de estar à mesa com alguém que goste. No dia-a-dia, vejo que se compra muita comida industrializada e uma refeição deixou de ter o devido valor, virou pasto. E também tem a questão disso ou aquilo estar na moda. É muita coisa que tem a ver com o que se paga e o quanto é importante. Para mim é importante saber que alguns leitores estão fazendo os pratos para amigos e familiares.

  3. Diulza Angelica dos Santos diz:

    Eu amo voçê beijos…..

  4. Clarissa diz:

    Marisa,
    parabéns pelo blog, e pelos milhares de leitores. Aproveito a oportunidade para, além de parabenizar, agradecer. Venho acompanhando o seu blog há algum tempo e já “copiei” bastante coisa. É muito bom ler seus textos, e seguir suas instruções, pq você compartilha o que sabe com humildade e boa vontade. A parte ruim disso é que depois que aprendi a fazer mantou / nikuman / pãozinho no vapor, lá se foi minha dieta de carboidratos 😛

    Um grande abraço,
    Clarissa.

    • Marisa Ono diz:

      Bem, Clarissa, vou contar um segredinho. Eu faço, provo mas acabo não comendo (muito). Logo dou um pão, bolo ou um pouco de biscoitos para vizinhos, conhecidos. Se eu comesse tudo que faço (já são 484 receitas em cinco anos) eu já teria explodido….

  5. Akemi diz:

    Marisa, acho que esse assunto vale um post mais aprofundado! Sobre a comida industrializada, me divirto e me espanto com o que observo nas filas dos caixas nos mercados. Não sou nenhum exemplo, o meu blog está aí pra provar (rss) mas bater um bolinho simples é tão fácil que não entendo pq comprar esses industrializados cheios de conservantes, aromatizantes, e outros “antes” tenebrosos. Mas a quantidade enorme de oferta desses produtos está aí pra provar o contrário. Onde vamos parar???

    • Marisa Ono diz:

      Ah, Akemi, essa discussão sobre os produtos industrializados tem muito pano para a manga. Ela tem qualidades, creia. A indústria é muito eficiente na produção e distribuição. O desperdício é muito pequeno e alimentos preservados vão aos pontos mais extremos do país. Por outro lado também segue normas da Anvisa, que exige aditivos. No esforço de reduzir custos muitas vezes acaba produzindo um produto de qualidade abaixo do que muitos gostariam. Por outro lado preços elevados limitariam ainda mais as opções de boa parte da população.
      Pelo pouco que vejo, o aumento do consumo de produtos industrializados acompanha o aumento da renda em diversos países. Depois de algum tempo começa um pequeno movimento de procura por produtos artesanais, a cozinha doméstica volta a ganhar força e restaurantes que fogem do circuito convencional ganham destaque. Espero que algo assim comece a acontecer, na verdade, acho que já está começando.
      Há alguns anos vi um crítico gastronômico japonês dizer que não escolhia restaurantes pela fachada, procurava lugares em becos, vielas, bairros. Ou seja, a “gastronomia B” já estava ganhando destaque por lá. Hoje já é uma coisa bem séria.

  6. Marisa, há pouco tenho acompanhado seus posts e estou amando. Também tenho um blog criado recentemente, com receitas que faço em casa para mim, meus amigos e familiares. Não sou profissional da gastronomia e nem pretendo ser. Faço meus pratos por puro prazer e amor. Ler seu post de hoje foi inspirador, especialmente quando disse sobre o valor, sobre o carinho que colocamos ao fazer uma comida. Concordo que cozinha, fora a necessidade, é um prazer que, para aqueles que o tem, preenche muitos momentos e traz muitas alegrias. Parabéns pela marca e pelo belíssimo trabalho!

  7. Patricia Lieko diz:

    Marisa, parabéns pela data e pelo post. Foi o que mais apreciei até hoje.
    Sou leitora sua de Gyn, e a acompanho há tempos.
    Desejo-lhe que experimente mais comidas, temperos, bebidas, enfim: aquilo que nos surpreende!

  8. Fabrício Silva diz:

    Marisa, meus parabéns pelo seu blog!
    Não sei quantas vezes passo aqui aguardando uma nova receita ou comentário seu!
    Me perco em seus textos com entusiasmo! A maneira como vc dirige as palavras ao leitor, além de simples e objetiva, sempre prende nossa atenção!
    Só tenho a agradecer pelas belas matérias, dicas e receitas que vc disponibiliza!
    Vc não compartilha somente uma receita, compartilha o seu sentimento e suas experiências com o leitor, e é isso que faz vc ser quem é!
    Parabéns e espero continuar lendo muitos posts seus! Quem venham vários 5 anos mais e muitos 1000 postagens a mais tbm!

  9. Akemi diz:

    Marisa, acho que esta “visão malígna” da indústria se deve em boa parte por conta da alergia que adquiri a certos conservantes de produtos industrializados mas concordo, eles têm o seu valor e seu propósito mas serviu para eu observar melhor o que eu andava consumindo. Ler os rótulos é de lei agora e por conta disso deixei de consumir muita coisa. Deixei de mascarar a comida com pozinhos e cubinhos e estou a redescobrir o sabor da comida. Um retorno à comida de antigamente quando nada disso existia.
    Dos restaurantes, nos blogs vejo muitos comentando que realmente já estão cansados de combinações exóticas, comida salgada que é doce e doce que é salgado e que o velho e bom picadinho de carne está voltando aos menus. Espero que não seja apenas mais uma tendência!

  10. Você com certeza sabe o custo que é pra manter um blog como o seu, mas nem imagina o valor que ele tem pra nós, leitores. =)

    Parabéns!

    • Marisa Ono diz:

      Ô, Doduti, como eu sei o quanto custa. Mas minha revolta quanto a custos só aflora quando recebo alguma proposta indecente, como divulgar algum produto à troco de amostra grátis ou nem isso. ¬¬
      Por outro lado, a minha grande alegria é quando um leitor diz que fez algum prato para família, amigos.

  11. Gilda diz:

    Marisa, só posso dizer que quanto mais conheço sobre você, mais te admiro e respeito. Parabéns.

  12. Ione diz:

    Eeeeeee, parabéns, Marisa!
    Sinto-me bem feliz por ter me dado a oortunidade de te conhecer melhor.
    Que esse play te renda muito mais bons frutos profissionais e pessoais.
    Dona M tem sorte nesta vida, viu? 🙂
    Beijo para as duas; o momento é de comemoração! \o/

  13. Myrna diz:

    ô Marisa, minha desculpa esfarrapada de sempre: antes tarde do que mais tarde…
    Parabéns pelo milésimo post, pelo blog longevo e por salvar a vida dos meus filhos e do meu marido 🙂 não fosse seu blog, muita coisa não aconteceria aqui na minha micro-cozinha. Adorei te conhecer pessoalmente, acompanhar seu dia a dia nada ortodoxo (pelo menos para bichos da cidade feito eu) e usufruo grandemente do que você escreve. Eu e todos os meus: família, amigos. Este é meu cookbook e minhas amigas que leem seu blog sempre adoram. Obrigada por tudo 🙂

  14. Mariza diz:

    Parabens,muito obrigada pelas historias,receitas,dicas e experiencias.Para mim é o melhor blog de culinaria-especialmente da japonesa que é cheia de macetes.Obrigada por tudo!

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