Vou confessar uma coisa: quando criança, era até que enjoada para comer. Comia muito, sim, era bem fortinha.
Eu não gostava de purê de batata. Leite e manteiga, para mim, era coisa que só deveria ir em coisas doces. Também tinha bronca de alho, carne cozida com vinho e nabo, por conta do cheiro forte. Não gostava de berinjela por causa da aparência e da consistência molenga. Feijão, preferi sempre o caldo ralo.
Nas minhas primeiras aventuras na cozinha, fiz ovos quentes e mingau de maisena.
No caminho à escola (comecei a estudar com cinco anos, eu insisti muito), havia uma fábrica de batatas-fritas. De vez em quando ganhava um punhado. Também tinha a quitanda da dona Maria, uma portuguesa de dentes muito alvos. Lá eu comprava amendoim recoberto com açúcar colorido, na base de um copinho por alguns centavos. De vez em quando aparecia uma vendedora com o tabuleiro de cuscuz de tapioca ou quebra-queixo.
Meu paladar era doce. Gostava de pirulitos Zorro (um pirulito retangular, de leite, grudento, com um pouco de coco), pipoca de arroz em saquinhos cor-de-rosa, chocolate Beringher (um charuto de chocolate que não derretia no verão carioca, nunca soube o que tinha dentro). De vez em quando, o encantamento do sorvete de máquina, não as italianinhas de hoje. Era um monstro com garrafas cheias de líquido colorido. Ligavam a geringonça, fazia um barulho assustador e descia um cilindro de sorvete cremoso. Não era muito gostoso, não, mas eu gostava de ver aquele xarope virar sorvete.
A minha infância não teve frutas exóticas. No Rio, laranjas e bananas compradas na feira. Sapoti, jabuticaba do quintal. No Paraná, goiabas e ponkans. Em dias melhores, pêssegos em lata. Uma vez ganhamos pêssegos de um senhor que foi até Santa Catarina.
Morando na Ilha do Governador, descobri que os siris da praia, os mesmos que eu tentava tirar das tocas nas pedras, eram comestíveis. E num barco de pescadores, vi que a arraia não era um animal mitológico, daqueles que só se vê nas páginas da enciclopédia “Os Bichos”. Aliás, arraia é um bicho que comi uma vez e não gostei.
Pequena, folheava fascículos de “A Boa Mesa” e “Cozinha de A a Z”. Ficava sonhando em provar ervilhas frescas, aspargos, cerejas. Meu pai atiçava ainda mais minha curiosidade, dizendo que cerejas tinham o formato de um coração e que cresciam em pares no pé. Que ervilhas frescas ficavam muito boas cozidas junto com o arroz. E que os pêssegos, peras, abóboras japonesas eram muito gostosos.
Engraçado que eu não sonhava em jantares com louça fina e cristais. Bem, esses eram os jantares na casa da madrinha da minha irmã e, para ser sincera, tremendamente chatos para uma criança. Ficava preocupada em usar os talheres corretamente, não sujar a toalha e não deixar cair nada. Enfim, não me lembro o que comia lá.
Me lembro é da transgressão da minha madrinha. Ela nos levava às pastelarias (de chineses, pastel bom tinha que ser chinês) na Lapa. Comia sanduíche, pastel, tomava um copinho pequeno de coca-cola. Minha madrinha não cozinhava muito. Lembro só que ela fazia arroz de bacalhau, pudim de pão e canja de galinha.
Nas festinhas infantis, torcia o nariz para as balas de coco. Gostava de canudinho e cajuzinho.
E lá se foram 40 anos. Muita coisa se foi, aprendi a gostar de berinjela, continuo não gostando de cebolinha, de rabada, de agrião e de quiabo. Comi cerejas, aspargos, pêssegos brancos, peras japonesas. Um dia, bêbada, encarei um caramujo do mar. Sem saber, comi carne de cavalo. Sabendo, comi caracóis. Pesquei trutas. E, obviamente, comi.
Não vou tentar resgatar nenhum sabor da infância neste Dia das Crianças. Esses sabores vão continuar onde sempre estiveram. Na memória. Sem vergonha mas também sem aquele saudosismo. Foi bom naquela época. Hoje meu paladar mudou, como muita coisa. E espero que continue mudando.
