Fui ao Japão pela primeira vez em 1991. Era também a primeira vez que saía do país. Não preciso dizer o quanto tudo era diferente. Aprendi muita coisa, adotei vários hábitos novos e provei novos sabores. Naquela época só havia uma loja de produtos brasileiros em Hamamatsu, chamada Tsuruya Saketen. Vendia apenas feijão, café, palmito e guaraná. Hoje, nas cidades com maior concentração de brasileiros, existem lojas que vendem um pouco de tudo que consumimos no Brasil. Até o pãozinho francês!
Creio que todos imigrantes sentiram ou sentem saudades de algum prato. Não creio que seja diferente de sentir saudades de algo que comi na infância. O porém é que, morando em um outro país, nem sempre os ingredientes estão acessíveis. Para mim, era por uma questão de gosto, mesmo. Gosto de feijão, gosto de feijoada. Pode até ser que tenha uma relação com segurança, identidade, o conforto de comer algo que conhecemos bem.
E nos anos que passei, muitas vezes fiquei frustrada, tive que fazer adaptações em receitas e substituições. Não posso dizer que sou uma cozinheira ortodoxa. Agora, de volta ao Brasil, acontece coisa parecida. Ou parto do zero e faço miso, doburoku sake, anko, amanato ou contento-me com algo que não me deixa de todo satisfeita.
Feijoada era o prato que mais dava trabalho. A carne bovina brasileira não entra no Japão, então nada de charque ou carne-seca. Eu tinha que salga-la em casa. Para desespero de meus vizinhos, defumei costelinhas de porco, linguiças, dentro do apartamento. Bem, foram poucas vezes, depois percebi que era mais conveniente fazer isso ao ar livre, nas margens de rios ou na praia.
E o pão de queijo? Bem, era difícil achar polvilho azedo. Nunca gostei do pão de queijo com polvilho doce. De vez em quando comprava um pãozinho em uma padaria na loja de departamentos Matsubishi. A loja faliu, a padaria desapareceu. E o pãozinho era uma versão do gougère… Fiz essa receita pensando nos brasileiros que estão no Japão.
Gougère Adaptado
60 gramas de manteiga
240 ml de água (cerca de 1 xícara)
120 gramas de farinha de trigo
Sal
4 ovos médios, gelados
130 gramas de queijo ralado. Usei o queijo prato porque é o mais parecido com o que é comercializado no Japão.
Leveo ao fogo a água, o sal e a manteiga. Espere ferver. Adicione a farinha de uma vez. Misture e continue misturando por alguns minutos, até a massa formar uma bola e formar uma fina crosta na panela. Vire em uma tigela e deixe esfriando por alguns minutos.
Com a massa ainda quente, adicione os ovos um a um, batendo à cada adição. Cuidado com o último ovo. Talvez seja melhor bate-lo separado e ir adicionando colherada por colherada. A massa não deverá ser muito mole, agarrando um pouco na espátula e fazendo uma tira larga.
Adicione o queijo e misture.
Modele porções do tamanho de uma bola de pingue-pongue. É mais fácil com um saco de confeitar e um bico redondo, liso, grande.
Leve ao forno bem quente até dourarem ligeiramente. Abaixe o forno e deixe que sequem um pouco.
São mais gostosos se comidos ainda quentes, crocantes por fora e ainda um pouco úmidos por dentro. Depois de frios, ficam macios. Podem ser reaquecidos no forno.
Ô Marisa, no meu caso, pode pegar essa precariedade e multiplicar por 3,rs. Meu paladar roga por uma bocadinha em 3 sabores: o brasileirinho (que por sí já é multirracial); o japonês e, por incrível que pareça, a cozinha nikkei – nipo-brasileira, tbém nascida na precariedade, ou ‘cozinha fusion’ pra usar um eufemismo,rs. E a tal precariedade nem sempre se refere ao prato, mas o sabor do ingrediente em sí. Mesmo caro, compro, por exemplo, umas fatias de alcatra daquí(irlandesa é mais barata), mas a carne não tem sabor de pasto, de mato, sabe como? Tem gosto de nada, porque os bois vivem confinados nos currais e nutridos com outras rações. Enfim, falta-lhe cheiro! Mas graças a essa precariedade é que aqui aprendí a improvisar e a cozinhar na marra, coisa que eu fazia muito pouco no Brasil. Hoje, com a abertura do mercado, disponho de alguns produtos essenciais (de base mesmo) brasileiros e japoneses. Mas de vez em qdo me vem a vontade de comer tsukemono de chuchu, por exemplo – algo que não é nem uma coisa e nem outra,rs.
Marisa, estou bem aquí do ladinho da França e não conheço esse Gourgère. Fiquei intrigada e se é parecido com pãozinho de queijo, vou prepará-lo um dia desses. Como leitora, fico grata com a sua boa vontade e delicadeza em amenizar nossas ‘dores’,rs, propondo adaptações e economia de tempo. Ou teríamos que errar muitas vezes até chegar à receita ideal. Abraços!
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LuMa, o gourgère nada mais é que a carolina com queijo. E eu creio que o nosso pãozinho de queijo tem origens nele. Os mesmos princípios estão aí: amido gelatinizado, a expansão, o sabor do queijo e ovos, a gordura para dar a crocância na casca… E é interessante ver que, no final, apesar das semelhanças, são coisas distintas e características de cada lugar. Fusão? Adaptação? Evolução? Eu deixo a filosofia para quem realmente se dedica a isso.
No Japão também tínhamos algumas frustrações quanto à carne. A carne australiana, mais barata, é mais magra e me parecia pobre em sabor. A americana foi barrada por conta da doença da vaca louca. Por conta dessa doença também, ficou praticamente impossível encontrar cortes com ossos e tutano. O frango consumido por lá é brasileiro, na maioria. O frango caipira japones é muito caro… Por outro lado, muitos produtos italianos chegavam a um preço bom: massas, azeite, tomate pelado. Vinhos, curiosamente, não são tão caros quanto os que vejo por aqui. E ainda o dono da loja tinha sempre uma boa dica de um vinho bom a um preço camarada.
E, bem, o luxo sempre é luxo. Podia ser encontrado com facilidade, até mesmo em uma cidade relativamente pequena, bastava saber onde procurar.
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Marisa, voçê enche meu coração de alegria, na forma como divide conosco, suas receitas e experiencia de vida, parece que te conheço a muito tempo,pois a forma que descreve suas receitas com suas istorias, de forma simples, alem de cozinhar muito bem é uma escritora de mão cheia, morei nos Estados Unidos, passei uns aperto mais me consolava com uns mercadinhos Cambojanos que tinha por lá,mais quando vinha a neve entrava em depressão.não achava nada da culinaria Japonêsa.mais para o pão de quijo, consegui um queijo mineiro, pois não é que tem mineiro em todo lugar do mundo.bjs, boa semana.
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Realmente aqui no Japao estamos mimados… Temos de tudo, tudo entregue em nossa porta, se quisermos.
Nao falta nada. E a maioria das coisas chega com preco em conta. Ate caldo de mocoto temos a venda em pacotes prontos no mercado japones! (fiz ate um post sobre isso).
Voce pegou a epoca dos pioneiros. Imagino como deve ter sido dificil e haja neuronio para criar solucoes a falta dos produtos basicos e que estamos acostumados no Brasil.
Eu cheguei aqui com um cenario bem mais verde-amarelo. Tudo encontrei e encontro por aqui. Mas o Matsubishi ja estava falido. Uma pena, porque adoro o charme do predio que fica no centro de Hamamatsu mas nunca o vi por dentro.
Muita gente visita seu blog para fazer coisas que consumiam aqui no Japao, nao e?
Novamente voce eh pioneira.
Desculpe a falta de acentos, usando o pc japa que nao fala portugues rs.
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Não, Alexandre, não sou pioneira. Pioneiros foram os primeiros imigrantes que plantaram o arroz mochigome, o chá, colheram brotos de bambu e trouxeram os hábitos de outras terras.Nem sou pioneira por escrever sobre receitas domésticas de origem japonesa ou nikkei, coisa que era mais transmitido verbalmente dentro da família, mas percebi que há uma carência nessa área.
Quanto à loja de departamentos Matsubishi, de fato, é uma pena que tenha fechado. Inaugurado em 1937, sobreviveu aos bombardeios da guerra mas não sobreviveu ao estouro da bolha econômica. Lembro da parte nova, recém inaugurada, ostentando luxo em colunas e pisos de pedra nobre, lojas como a da Godiva e grandes marcas. Muita gente perdeu com isso, tanto funcionários quanto investidores
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Fico com inveja do Alexandre, aí em cima, que está do outro lado do planeta mas dispõe até de mocotó! A última viagem ao Japão, fui praticamente apenas com a roupa do corpo, para voltar com uma (só) mala de 20 quilos, lotados de shiokara, tsukemono, natto, lulas secas e outros cacarecos. E numa malinha pequena, mas contendo outros quase 20 quilos de ingredientes que comprei no Ameyoko de última hora (coisas semi-frescas, como bandejas e mais bandejas de ovas de peixe, que coragem!). Por incrível que pareça, sempre passei ilesa na chegada, uffa,rs!
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Só voltei uma vez ao Brasil durante esse período. Coloquei na mala salame, queijo parmesão, 2 queijos palmira (aquele da lata redonda), café… O fiscal da alfândega viu tudo, mas deixou passar, já que eu afirmei que era tudo presente e não eram perecíveis. Ele ficou muito surpreso com um queijo enlatado. Mas sei de gente que entrou no país com 15 kg de carne seca! Por outro lado, voltando ao Brasil, a alfândega confiscou uma garrafa de sake e um vidro de perfume da minha mãe. Mas deixou passar quilos de saba (cavala) congelada…
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Gourgere significa o que? Nunca vi receita com esse nome… sou mineira e adoro pão de queijo mas nunca comi pão de queijo que não fosse de polvilho doce, agora fiquei curiosa tanto em fazer o pão de queijo com essa adaptação e colocar queijo prato que também é uma delícia!
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Eu nunca gostei de pão de queijo feito só com polvilho doce por conta da textura de goma. Com polvilho azedo ou misturando os dois obtem-se um pão com casca crocante, estufado. Pelo que sei, polvilho doce não é uma unanimidade nem em Minas.
Dizem que a massa para choux foi criada em 1540 e, provavelmente, o gougère surgiu pouco depois. De qualquer forma, é anterior à criação de gado no Brasil e, consequentemente, à produção de queijo. Então, é bem provável que o nosso pão de queijo seja uma adaptação do gougère.
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