
Confesso que, do que leio, vejo ou como, pouca coisa tem realmente surpreendido. Talvez seja coisa da idade, talvez seja porque vi algo parecido em outro lugar ou talvez seja só excesso de café mesmo. No entanto, eu estava muito curiosa a respeito da Shojin Ryori e sobre o que o chef Toshio Tanahashi teria a dizer. E confesso que saí de lá vendo comida e o cozinhar de outro ângulo.
É a segunda vez que ele vem ao Brasil divulgar a cozinha dos templos budistas. No Shojin Ryori, não se nada de origem animal, nem mesmo leite ou ovos, como também não se usa eletrodomésticos. “O dia continua tendo 24 horas. Como antigamente tudo era feito à mão? Gastava-se tempo acendendo o fogo, retirando água do poço, colhendo. Hoje gastamos cada vez menos tempo cozinhando. Será que isso é o certo? Será que é certo deixarmos isso por conta das máquinas?” E seguiu falando do quanto é maravilhoso um morango, um tomate. A planta transforma luz, água, solo em um fruto que podemos comer. Diante dessa coisa mágica que é a vida, o ser humano tem que ter sabedoria para utiliza-la de uma forma boa, inteligente.

Em seguida, o mestre Mori, de Sendai, demonstrou sua técnica no preparo de soba – uma massa feita com trigo sarraceno.

Ele utilizou 800 gramas de farinha de trigo sarraceno, 200 gramas de farinha de trigo e 450 ml de água. Nada de sal. Acrescentou um pouco mais da metade da água e misturou vigorosamente durante alguns minutos. Adicionou a água restante e sovou, tomando cuidado para não formar bolhas no interior da massa, o que a deixaria quebradiça. Usando 3 rolos compridos, esticou a massa à mão, polvilhou bastante farinha e cortou também à mão, mostrando uma grande perícia. Claro, são décadas de prática.

Em seguida, Tanahashi falou sobre o gergelim, que ele mói no suribachi. É um trabalho que consome cerca de 1 hora por dia. Ele diz se concentrar na alteração do aroma e do som enquanto tritura as sementes. É uma maneira dele conversar com o ingrediente. “Há quem pense que uma máquina faria o mesmo trabalho. Há quem procure ver a diferença”. Concordo com ele. Um multiprocessador cortaria e não esmagaria e não liberará tanto óleo. Por outro lado, um produto industrializado é significativamente inferior, já que o óleo de gergelim rancifica rapidamente. Uma pasta de gergelim caseira é muito superior em aroma e sabor.

Serviram o famoso goma dofu, feito com pasta de gergelim e kuzu (amido parecido com a araruta) com cubinhos de molho gelatinizado. A consistência do tofu de gergelim feita com kuzu (ou kudzu, como já vi escrito) é diferente da que é feita com outros amidos. Tanto o tofu quando o caldo eram extremamente delicados sem, no entanto, serem insossos.

Continuando com o gergelim, ele misturou pasta de gergelim com pasta de soja (do tipo claro, que é adocicado), um pouco de shoyu claro (usukuchi) e espinafre (horenso) cozido e também amassado no suribachi. A essa pasta verde adicionou pedaços de palmito já cozido e morangos.

“Uso sempre os vegetais e frutas locais” – disse ele. Novamente, para mim, uma surpresa. Achei o aekoromo saborosíssimo, rico e nada monótono.

Por fim, o soba cozido com uma pasta feita com beringelas assadas, gengibre e shoyu. “As beringelas assadas ficam mais doces”.
Perguntei se havia algum ingrediente proibido. Sabia, mas queria que os presentes soubessem que no Shojin Ryori não seu usa cebola, alho, cebolinha, nira ou rakkyo. Pimenta vermelha, com moderação, assim como sake. Em uma refeição ele chega a usar mais de 40 vegetais diferentes. Para poder ser tão diverso, não se limita a produtos orgânicos. E lançou um desafio: que cada um tentasse fazer uma refeição totalmente vegetariana.
E porque isso mexeu tanto com a minha cabeça? Vivemos numa época muito agitada, cada vez gastamos menos tempo com o preparo de uma refeição. Ou, pelo menos, vivi isso por um bom tempo, a Cozinha do Desespero é o resultado de uma rotina que exigia que eu tomasse banho, jantasse e dormisse em 6 horas ou menos. Mas também não é só o tempo gasto com o preparo dos alimentos. É o como olhamos a comida. Estamos muito distantes do produto e do produtor. Nem sempre nos damos conta de quanto trabalho existe atrás de uma alface e disperdiçamos tanto alimento. E que uma refeição não é apenas nutrir, mas uma maneira de desenvolver o conhecimento, buscar um estado de espírito. Sendo mais racional, concordo que ingerir mais vegetais além de ser saudável, provoca menos desgaste do planeta, consome menos água e recursos. Não precisamos tanto de proteína quanto costumamos ter, sobretudo no Brasil. Resumindo: é muito mais coisas do que eu poderia colocar em um simples post do blog.
Certamente vou voltar ao assunto, quando as mil idéias pararem de borboletar no meu cérebro.
Tive uma rápida conversa com Tanahashi e Mori-san. São pessoas cheias de alegria e gentileza. Aproveito também para agradecer ao Claudio Sampei do Bunkyo e ao chef Shinya Koike.
O workshop contou com o patrocínio da Kikkoman, da Fast Shop e realizado pela Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social e Universidade Anhembi-Morumbi.
No dia 29 haverá um workshop em Belém e no dia 30 em Tomé-Açu. Ambos contarão com a colaboração do chef Tiago Castanho, do Restaurante Remanso.
