Já vou avisando que se você é um fanático defensor dos orgânicos, é melhor parar de ler agora. Também aviso que se você é o típico leitor da internet, que não gasta mais que um minuto por página e raramente lê mais que 1/4 do texto, também é melhor parar agora. O texto vai ser longo. E, por fim, aviso que não vou tolerar agressões nos comentários. Aliás, estou considerando a hipótese de fechar os comentários para esse post. É uma opinião formada depois de ler e ver um bocado de coisas por aí.
Em primeiro lugar, há muito tempo evitei falar sobre os orgânicos principalmente porque tornaram-se algo apenas para quem pode pagar. Se tanta gente acha que vegetais orgânicos são tão bons, porque ninguém briga para que eles sejam oferecidos para quem mais precisa, como convalescentes e crianças em fase de desenvolvimento? Que tenhamos então orgânicos nas refeições de hospitais, creches e escolas públicas.
Em segundo lugar, mantenho um certo ceticismo sobre o que é mesmo orgânico. Uma cenoura não fala. Sinto, mas quem compra produtos orgânicos está comprando um conceito, mas não significa que está realmente levando para casa aquilo que pagou.

E até hoje estava evitando tocar no assunto porque creio – embora não tenha certeza – de que os vegetais orgânicos são um meio de pequenos produtores serem melhor remunerados.

A maioria das pessoas que consomem orgânicos acredita que está consumindo algo livre de substâncias tóxicas. Lamento dizer, mas isso não é toda a verdade. Existem inseticidas orgânicos. O mais conhecido é o óleo de neem, que contém um princípio ativo retirado de uma planta, não significa que seja totalmente seguro para homens, animais e para o meio-ambiente. Esse engano é muito comum também em medicamentos fitoterápicos. Existe uma dosagem que é segura para o ser humano, mas não tanto para peixes e animais como gatos. Mas a questão que mais me incomoda é que os inseticidas permitidos em uma cultura orgânica não são tão eficientes. Ou seja, é preciso efetuar mais pulverizações, usando mais inseticida. Em muitos casos, 3 vezes mais que usando-se um inseticida químico. O quanto isso é prejudicial para quem consome, para a terra e para os rios próximos? Pouco se sabe ainda. Existem opções menos arriscadas, como bio-inseticidas (como o caso de fungos isolados), que são muito caros. Eu sei porque comprei e estou testando. Também há a opção de iscas atrativas, comuns no Japão. Essas pretendo testar um dia, quando encontrar para comprar.

Outra questão é o uso de adubo orgânico. Todo mundo pensa que o esterco é o melhor adubo existente. Lamento, novamente, dizer que isso também não é toda a verdade. Se por um lado aproveitamos algo que é descartado de granjas, estábulos etc, e apesar de conter uma quantidade considerável de nutrientes (dependendo do esterco, de que animal), ele não pode ser utilizado diretamente na terra. É preciso passar por um processo de “cura”, ou seja, uma decomposição, onde parte desses nutrientes se vai, devorado por bactérias. Outro fato é que esterco pode ser muito ácido e conter muitos sais que não são benéficos às plantas. Uma cultura baseada somente em esterco vai tornar o solo muito ácido, alterando a permeabilidade do solo. Ou seja, em vez de fazer bem, pode ser prejudicial. No entanto, não condeno o uso de material orgânico, muito pelo contrário, matéria orgânica é essencial para melhorar a plasticidade do solo, permitindo melhor desenvolvimento da planta. Só não é recomendável basear a adubação em um tipo composto orgânico.

E a questão do uso do esterco vai mais além. Vegetais orgânicos também são sujeitos à contaminação por coliformes fecais, parasitas e outros organismos prejudiciais à saúde. Em pesquisa (abaixo, no final deste post) em alguns casos chegou-se a 40% das amostras contaminadas por coliformes fecais. É aí uma questão de segurança alimentar. O esterco tem que ser curtido e esterilizado. Dependendo do método utilizado, o esterco só pode ser utilizado depois de 6 meses de cura. Ou seja, a recomendação de higienizar bem todos os vegetais continua valendo. Mesmo para os orgânicos.

E por fim, mas não menos importante, está a questão do sabor. Sinto, sinto, sinto muito, mas ser orgânico não garante absolutamente nada em termos de sabor. O sabor de um vegetal depende primeiro da espécie em questão. Veja o caso do tomate: tomates “longa vida” (ou seja, do tipo que nunca amadurece, por isso não apodrece também) como o Carmem nunca vai ter o sabor de um Momotaro ou Italiano ou Holandês. Porque essas variedades amadurecem e apodrecem, vão ter um ponto de auge da maturação e, consequentemente, sabor. Em seguida temos as condições onde foram cultivados. Cada planta tem sua exigência de solo, irrigação, incidência diária de sol. Creio que é isso que chamam de “terroir”. E, por fim, um vegetal ou fruta fresca geralmente é bem melhor do que aqueles que foram colhidos há 2, 3 dias. Por isso a possibilidade de encontrar um vegetal mais saboroso em uma feira, comprada diretamente do produtor -orgânico ou não – é bem maior do que no supermercado. Digo geralmente é melhor porque existem produtos que, curiosamente, melhoram com o tempo, como a maçã e a pera, que precisam de um tempo de descanso após a colheita e a batata-doce, que se estocada em condições corretas, fica ainda mais doce.

Não espero que ninguém demonize os orgânicos, muito pelo contrário. Espero sempre que as pessoas façam o que acreditam ser correto. Eu continuo acreditando que é preciso apoiar o pequeno produtor, que é preciso alterar a legislação e legitimar a produção agrícola urbana, que é preciso haver orientação a esses produtores sobre manejo e uso do solo, assim como uso correto de defensivos agrícolas – caso eles queiram – e oferecer soluções de baixo custo. Que esses pequenos produtores precisam ser estimulados a produzir qualidade, já que jamais poderão oferecer quantidade. E que essa qualidade seja reconhecida e bem remunerada. Também acredito que o consumidor precisa se educar. Que ele entenda que vegetais bonitos implicam no fato que os feios (picados, tortos, etc) são jogados no lixo. Também gostaria de pensar que as feiras-livres sempre existirão, como uma forma de termos uma maior diversidade e também por questão cultural. E, por fim, espero que eu esteja errada. Espero que a agricultura orgânica prove ser a maneira correta de lidar com o solo, manter quem quer plantar no campo e podermos – todos, não apenas uma porção de uma elite – consumir alimentos mais seguros, mais nutritivos e mais gostosos.
Façam suas escolhas. Não porque eu disse isso ou aquilo ou porque saiu na tv, aquela carismática apresentadora disse que faz bem. Façam suas escolhas dentro do que é possível, do que se encaixa nas suas necessidades e possibilidades e, principalmente, depois de obter informação de fonte confiável (não, não creio que eu seja confiável) e analisada. Dá trabalho pesquisar e separar o joio do trigo, mas sua saúde vale isso, não?
Contaminação por coliformes fecais, parasitas, etc: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-20612010000500033&script=sci_arttext
Prós e contras do uso de esterco em culturas orgânicas:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-06832008000100010&script=sci_arttext
Sobre pesticidas orgânicos (em inglês)
http://www.ocf.berkeley.edu/~lhom/organictext.html
Artigo sobre os contras da agricultura orgânica (em inglês)
http://www.newscientist.com/article/dn22240-organic-food-no-better-for-you-or-the-planet.html
Artigo rejeitando efeitos benéficos do consumo de orgânicos (em inglês):
http://www.sciencebasedmedicine.org/index.php/no-health-benefits-from-organic-food
PS: os vegetais que ilustram este post saíram da horta daqui de casa, não são orgânicos porque recebem além de adubo orgânico, adubo químico. Inseticidas foram usados pontualmente.
